Recentemente uma antiga produtora da revista Playboy contou, numa live, os detalhes sobre os bastidores. Saber de bastidores sempre diverte e essa poderia ter sido mais uma entrevista divertida, se não revelasse a forma normativa e violenta que corpo das mulheres é tratado.
A crítica à forma objetificada e mercadológica que as revistas retratam o corpo feminino não é de hoje. Seja a evidente submissão e fixação no lugar de dona de casa, como na publicidade dos anos 50 e 60, seja atualmente com o excesso de fotoshop com os corpos anatomicamente impossíveis, o que se destaca é a forma como as mulheres ficam definidas por esses veículos de comunicação. Mesmo sabendo disso tudo, a história contada não deixa de impactar.
A produtora conta que várias modelos tinham seus órgãos genitais colados com cola para cílios postiços, com intuito de esconder o clitóris e os pequenos lábios, casos fossem protuberantes demais. Ela chega a comentar que quando algumas tiravam a roupa, “saia um pedaço de carne”. Alguém precisa lembrar que esse pedaço de carne que precisa ser escondido é o corpo da mulher.
O que é dito na entrevista é que
essa carne “não é bonita de se ver”, “não pode aparecer na Playboy” e “não é
excitante para o homem hétero que consome Playboy”. Num passe de mágica, tira-se
o excesso, aperta ali, cola aqui e o corpo – como um produto – se adequa para
ficar bonito aos olhos do consumidor.
Sabe quais são as consequências de
uma indústria publicitária que divulga corpos irreais?
O Brasil é o pais que mais realiza
cirurgias íntimas no mundo! Foram 30.356 cirurgias de labioplastia realizadas
no ano de 2019, mais que o dobro que os EUA, que ficam em segundo lugar com
12.006. No mundo todo houve um aumento de 73% em relação as estatísticas de
2015. As mulheres se submetem a procedimentos arriscados para alcançar uma
estética que não é real. E a indústria da beleza continua lucrando,
transformando o corpo das mulheres em mercadoria, em produto.
A cola é atóxica! A produtora,
cuidadosa, diz que não faz mal a ninguém. Mas e a toxidade do ideal criado? E a
toxidade do ideal Barbie de ser, sem órgãos genitais evidentes, sem nenhum “pedaço
de carne”, apenas plástico?
Fernanda Pimentel é psicanalista, professora e pesquisadora. Doutora em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela UERJ Atendimento online durante o isolamento social