Este ano a publicação dos Escritos, de Lacan, comemora seus 50 anos!
Para festejar a data o Programa de Pós Graduação em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ está organizando um Simpósio, com plenárias, mesas-redondas e conferências, que visam discutir a grandiosidade (são 938 páginas!) e a importância deste livro.
Para mais informações sobre inscrição e envio de propostas de trabalho, consulte o site do evento.
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O texto da comissão organizadora explica a escolha do tema e a atualidade deste material que, apesar de publicado em 1966, continua nos orientando na prática clínica até hoje.
CONVOCATÓRIA
O ensino de Lacan é um empreendimento
monumental que restituiu Freud a Freud. Compõe-se fundamentalmente de 27
Seminários "oficiais" - 1953-1980 - um por ano, e Escritos (os
Escritos, assim nominalmente conhecidos, de 1966 [1], e os Outros Escritos, de 2001 [2], além de vários outros pequenos Escritos
que foram publicados em diversos veículos, de modo pontual. A publicação da
coletânea dos Écrits na França pela editora Seuil em novembro de 1966 produziu
um efeito retumbante, levando o ensino de Lacan a um rápido reconhecimento
mundial: os cinco mil exemplares vendidos em apenas quinze dias, antes mesmo de
qualquer resenha ser publixada – poubellication, palavra-valise que associa a
publicação (publication) ao lixo (poubelle), era o termo com que Lacan gostava de
se referir às publicações –, não significaram nada se comparados aos quase
duzentos mil da edição de bolso. Encontrando Derrida num colóquio em Baltimore
um mês antes, Lacan manifestou a ele sua preocupação com a encadernação do
livro de quase novecentas páginas: “Isso vai acabar se rompendo”.
A publicação do livro foi
tornada possível pelo total empenho do filósofo e editor François Wahl, que
reuniu os textos e se dedicou a corrigir e organizar o conjunto a partir de
artigos publicados em revistas, cópias corrigidas por Lacan e manuscritos
datilografados. A conferência de 1958 “A significação do falo” foi descoberta
pouco antes do volume ir para impressão, num papel gasto e endurecido, com
inúmeras correções a tinta feitas por Lacan. Wahl trabalhou junto a Lacan
durante meses para estabelecer, frase por frase, o texto definitivo de todo o
volume. [3]
A
dualidade seminário/escrito reproduz a dualidade fala/escrita, que sabemos ser
estrutural, axial no ensino lacaniano. Jean-Claude Milner, na sua belíssima Obra
Clara [4], cuidou de tratar com o
rigor que o caracteriza desse aspecto, distinguindo o "exotérico" -
dirigido "para fora", o que é marcado pelo prefixo latino
"ex", ensino através da fala em
seminário ao qual ele
associa o caráter "protréptico" da transmissão oral, do
"esotérico", com "s", que se dirige para o interior de um
campo de experiência compartilhada, e que é dotado do rigor do saber, nos
Escritos.
Há "pontes",
ruas de ligação entre esses dois cursus - seminários
e escritos. Uma delas, contudo, merece ser aqui evocada porquanto seja aquela
que mais concerne a este Simpósio: Se comemoramos os 50 anos dos Escritos em
2016 é porque, em 1966, quando Lacan decide publicá-los (o que reúne o que de
mais importante ele escrevera desde o início de sua atividade de transmissão da
Psicanálise, em 1936, até a data da publicação, incluindo os famosos "De
nossos antecedentes"), seu seminário era sobre "A lógica da
fantasia", título que contém, como ele mesmo comenta no seminário, uma
surpresa: discernir uma lógica ali onde se espera o mais ilógico, o mais
subjetivamente vago e impreciso, o devaneio livre" - a atividade
fantasística! É justamente neste seminário XIV(1966/67) que a escrita começa a
ganhar em Lacan o lugar de primazia que ela passará a ter, cada vez mais, em
seu ensino, ou seja, na própria experiência psicanalítica, que dele é
indissociável. A ponte, no caso, não é com um dos escritos, mas com o ato mesmo
de publicar os Escritos.
Há também a periodização do ensino, marca
diacrônica que introduz o real da exigência da temporalidade na elaboração que
Lacan vai fazendo da experiência psicanalítica. Essa imposição do real também
incidiu sobre Freud, que precisou a ele se curvar em suas duas
"tópicas": a primeira e a segunda, que marcam diferenças e
descontinuidades radicais e decisivas sem contudo envolver a refutação da
primeira pela segunda, pois não é esta a "lógica da investigação
psicanalítica", para parafrasear o título da obra de Karl Popper [5], que introduziu a refutabilidade como
exigência metodológica na investigação científica. Em Lacan, Milner nomeia, de
modo em todos os pontos homólogo às tópicas freudianas, o "primeiro e o
segundo classicismos". Tudo muda após o Seminário XVII - O avesso da
Psicanálise, e as diferentes assonâncias que este título pode assumir no plano
semântico já o indica bem, mas esse inflexão não foi sem a longa preparação que
se inicia com o Seminário XI e a "excomunhão" da IPA, a chamada relève
logicienne [1][6] que se produz entre os seminários XII e
XVI - após a excomunhão e elaborando a virada do Seminário XVII.
Mas os Escritos, cujo primeiro cinquentenário
este Programa comemora neste seu simpósio de 2016 [6], pertencem inteiramente ao primeiro classicismo: publicam-se em 1966,
embora o ato de sua publicação prenuncie a passagem ao segundo. Para esta
momentosa comemoração, convocamos muitos colegas brasileiros e
latino-americanos. Quanto a estes, lembramos o que declarou o próprio Lacan em
Paris quando, pouco mais de um ano antes de sua morte, preparava-se para vir
pela primeira vez à América Latina (Venezuela, Seminário de Caracas, julho de
1980): "Esses latino-americanos, como se diz, que nunca me viram,
diferentemente daqueles que estão aqui, nem me ouviram de viva voz, pois bem,
isso não os impede de serem lacano.
Parece que isso antes os ajuda. Eu me transmiti por lá pelo escrito, e
parece que criei raiz. [...] É certo o futuro está lá, e é nisso que me
interessa ir lá conferir. Interessa-me ver o que acontece quando a minha
pessoa não oblitera o que eu ensino. Pode bem ocorrer que meu matema ganhe
com isso, ... e que a isso eu tenha convocado meus lacano-americanos...."
[7] (grifos nossos). Nós, que sustentamos a presença do ensino
de Lacan na Universidade, e somos assim latino-lacano-americanos, não podemos nos esquivar da
responsabilidade política que isso implica no cenário do movimento
psicanalítico internacional de orientação lacaniana. Na citação, Lacan afirma
justamente ter-se "transmitido [aqui] pelo escrito", já que não o
ouvíamos de voz viva na transmissão oral de seus seminários.
Temos, assim, todas as razões para comemorar
da forma mais vibrante que esses Escritos de Lacan cheguem aos cinquenta anos,
à sua plena maturidade editorial [8]. Eles
não só criaram raízes, fizeram um enorme reboliço por aqui e pelo mundo, mas é
aqui que, além da Europa e em certo contraponto a ela, ele mais viceja no
mundo.
As imagens que escolhemos para dar sua
identidade visual ao evento seguem uma ideia que veio à fértil cabeça de uma
colega do nosso Programa [9]:
transliterar "Écrits" em
"É cri !" - É grito,
tranlinguisticamente. Gritos de comemoração, que condensam os de medo, pavor,
guerra, angústia, horror e amor. Com efeito, os afetos gritantes se escrevem
melhor. Seja nas
Plenárias, que encarnam seis eixos temáticos extraídos dos Escritos de 1966 e
conta com um elenco de primeiríssima linha entre os psicanalistas que tomam a
si a tarefa de presentificar a Psicanálise no mundo, seja nas Mesas
Simultâneas, em que esse trabalho encontra seus desdobramentos mais
específicos, estaremos todos, por três dias, trabalhando sobre os Escritos de
Lacan, falando nosso próprio escrito a respeito deles, ouvindo o dos colegas,
intervindo em todos os casos. O que será, indiscutivelmente, um grande prazer.
Au travail, donc!
Comissão Organizadora:
Fernanda Pimentel é psicanalista e atualmente cursa doutorado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise na UERJ, pesquisando sobre a psicanálise na atualidade e a clínica contemporânea.
Atende em consultório em Niterói e Copacabana.
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