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23 de outubro de 2013

Anorexia popularizada na mídia

A Glamourização da magreza na mídia não é novidade p ninguém! Apesar de campanhas bem legais em prol da beleza de verdade e da diversidade do padrão de beleza feminino, é frequente encontrarmos uma publicidade extremamente agressiva e lipofóbica, como foi o caso da revista que comenta o corpo "perfeito" da modelo, que claramente tinha menos de 45 Kg. (Vale a pena dar uma olhada nessa matéria porque a revista, depois de receber uma enxurrada de críticas das leitoras, se retrata, pede desculpas e diz que, de fato, o texto não estava de acordo com o que a revista propõe sobre a diversidade e um padrão de beleza saudável!) 

Não é legal, não faz bem, temos que ir contra, mas infelizmente estamos "acostumadas" com o que vemos nas revistas femininas, ok...
Agora... programa de tv com jovem anoréxica é demais! Recentemente foi notícia na Rússia a moça de 20 anos que ficou famosa por exibir seu corpo esquálido nas redes sociais e foi convidada para participar de um programa de auditório. Os veículos de comunicação não deviam estrar tentando ir contra esses padrões? Desde quando uma pessoa vira celebridade por desfilar um corpo visivelmente doente?

No início eram blogs pró-anorexia que se destacavam pelas imagens mais chocantes e frases de impacto (muito mais que as revistas femininas!), mas hoje os vilões são os Instagram das antigas leitoras desses blogs.  Com isso perde-se a conta de quantas mulheres exibem seus ossos servindo de inspirações para meninas que ficam a mercê desse padrão de beleza bizarro! Não tem como não lembrar da  web celebrity brasileira, famosa na intimidade de seu Instagram, que faleceu recentemente em decorrência de complicações causadas pelo baixo peso.  As fotos de sua "barriga negativa" recebiam mais de 300 "likes" e exibiam legendas como "elogios me davam força para continuar enfraquecendo!"


                                          Fernanda Pimentel é psicanalista com Mestrado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela UERJ e escreve este blog nas horas vagas.



21 de outubro de 2013

automutilação: o silêncio de quem fere o próprio corpo

Excelente entrevista com a socióloga Patricia Adler, que publicou recentemente o livro The Tender Cut: Inside the Hidden World of Self-Injury sobre seus estudos e pesquisas sobre a automutilação!


Fonte: Revista Cult

Navalha na carne

O que acontece quando os traumas e a solidão precisam ser exteriorizados? As manifestações silenciosas de quem flagela o próprio corpo vêm crescendo consideravelmente, ano após ano, segundo um estudo que acaba de ser publicado nos EUA –  The Tender Cut: Inside the Hidden World of Self-Injury [“O Corte Suave: Dentro do Mundo Oculto do Autoflagelo”], dos sociólogos Patricia A. Adler e Peter Adler.
O livro aponta que 4% da população adulta sofre com essa prática autodestrutiva, taxa que se agrava entre os mais jovens. A partir de 150 entrevistas feitas com pessoas de diferentes partes do globo, a obra chega à conclusão alarmante de que a automutilação vem aumentando em escala mundial, mas diz que os blogs e redes sociais trazem ajuda a seus praticantes.
Na entrevista abaixo, concedida à CULT por e-mail, Patricia Adler, que leciona sociologia na Universidade do Colorado, consegue ver um fim menos trágico na automutilação: ao canalizar as enormes frustrações de seus praticantes, evitam que estes possam praticar o suicídio.
CULT – Para a realização do livro, foram feitas 150 entrevistas com pessoas que praticam automutilação em todos os lugares do mundo. Como foi feita a escolha dessas pessoas e qual a faixa etária média? Existe algum gênero ou classe social dominante?
Patricia Adler – Começamos com pesquisas regionais, perguntando aos estudantes se gostariam de ser entrevistados e mencionados em entrevistas de rádio que estávamos procurando interessados. As pessoas nos mandavam e-mails pedindo para serem entrevistadas. Fizemos todas as conversas pessoalmente nos primeiros quatro anos.
No entanto, acabamos alcançando uma saturação de dados, não estávamos encontrando nada de novo. Começamos a coletar blogs, diários e outras postagens na internet entre 2001e 2002, nos juntando a vários outros grupos e iniciando postagens de solicitações on-line em torno de 2003 e 2004.
As entrevistas eram conduzidas por telefone. Entrevistamos pessoas do Canadá, da América Latina, do Pacífico Sul, do oeste e leste da Europa… Todas as entrevistas foram feitas em inglês.
Cerca de 80% dos entrevistados eram mulheres. Apenas duas estavam numa faixa etária abaixo dos 18 anos, por conta das restrições do nosso Conselho de Revisão Institucional, que regula as pesquisas.
A maior parte pertencia à faixa etária entre 18 e 30 anos, mas havia provavelmente 15 entrevistados na faixa dos 30, 10 pessoas na casa dos 40 e de 3 a 4 próximas dos 50 anos. Todos eram ou estudantes, ou tinham computadores em casa, então isso as coloca pelo menos na classe média, embora uma colega minha esteja pesquisando informações sobre automutilados em prisões, predominantemente grupos de negros, pessoas de classe baixa e homens.
Os entrevistados foram identificados?
Ninguém teve seu nome revelado. Usamos pseudônimos para todos.
Qual foi o período total em que as pesquisas foram conduzidas?
Iniciamos oficialmente as entrevistas em 2000 e completamos a última em 2007.
O que motivou sua pesquisa?
O embrião da ideia para os estudos começou em 1982, em Tulsa, Oklahoma. Então há pouco tempo trabalhando como professor, Peter [Adler] se deparou com uma estudante em seu escritório que veio falar com ele sobre uma estranha prática sua: ela  se cortava intencionalmente. Intrigado, ele escutou o relato, observou os pequenos cortes em suas pernas, que ela penosamente ocultava, e fez algumas perguntas, com curiosidade, sobre suas motivações e sensações ao executar a prática.
Nos anos seguintes, ambos vislumbramos comportamentos semelhantes. Como professores que ministraram cursos sobre desvios comportamentais, cultura pop, drogas e esporte, frequentemente, nos encontrávamos no papel dos adultos a que os estudantes se voltavam.
Nossos encontros seguintes com a automutilação foram raros, mas ocorreram com mais frequência no fim dos anos 1980 e início dos 1990. Na década de 90, sabíamos ou tínhamos ouvido falar de um número suficiente de pessoas à nossa volta que se cortavam intencionalmente.
Então, na primavera de 1996, uma jovem amiga nossa, estudante do Ensino Médio e filha de amigos próximos, confidenciou a Peter sobre os seus cortes. Ela nunca mencionara o fato aos seus pais, mas precisava de alguém para falar sobre o assunto. Peter era o seu conselheiro estudantil (um de seus trabalhos em paralelo) e eles mantinham uma relação próxima.
Nos anos seguintes, a prática da automutilação começou a revelar-se publicamente, mas apenas uma pequena parcela das pessoas parecia notar isso. Tinha todas as características de um fenômeno crescente no meio underground, assim como nos populares, mas que foram um dia altamente estigmatizadas, tatuagens e piercings que vínhamos testemunhando no período.
Qual a relação, se é que há, entre automutilação e tatuagens?
Embora tatuagens e piercings possam de certo modo lembrar a automutilação, são, essencialmente, práticas muito diferentes.
As pessoas se envolvem com a “modificação corporal” como modo de embelezar ou decorar seu corpo e, também, para filiar-se a uma identidade de grupo.
Já aquelas que se engajam no processo de automutilação buscam um mecanismo de enfrentamento para quando estão sentindo dores emocionais, depressão, frustração ou raiva. Não têm prazer com a automutilação, e não acredito que tatuar-se seja prazeroso para a maior parte das pessoas. Algumas delas mencionaram a mim que focavam na dor, mas essas são duas entre milhares das quais mencionei no livro ou observei em postagens on-line. Então, isso é raro.


Quais as razões mais comuns para a automutilação?
Alguns usaram a automutilação para rebelar-se contra um controle extremo, famílias religiosas ou uma determinada formação da própria imagem. Como falei, buscar a dor é extremamente raro e não merece menção.
As pessoas tiram prazer dessa prática? Talvez. Significa a liberação de emoções difíceis e dolorosas, de raiva e frustração. Isso faz com que as pessoas se sintam melhor? Sim. As pessoas se automutilam pelos seguintes motivos: emoções opressivas, as quais buscam tranquilizar ou liberar, como a) estresse e frustração, b) raiva, c) mal-estar agudo, d) desejo de libertação.

Elas também se convencem da racionalização de sua automutilação por várias razões: a) exteriorizar sentimentos introspectivos, b) punir-se ou ferir-se, c) controle (uma área em justaposição entre a automutilação e o transtorno alimentar). E também por bloqueio emocional: são incapazes de sentir, mas desejam sentir algo.
Quais são os ambientes e instrumentos mais utilizados?
Para se cortar, as pessoas utilizam vários instrumentos. Começam ainda crianças com clipes de papel, pregos e tesouras. Mudam para facas de cozinha, pedaços de vidro, ou abrem cartuchos de barbeadores e utilizam as lâminas. Elas veem na TV ou leem sobre pessoas que usam estiletes e, então, experimentam.
As mulheres tendem a usar instrumentos mais afiados do que os homens, que usam pregos enferrujados, pedaços de metal, facas serrilhadas ou qualquer coisa à mão. As mulheres normalmente se limpam depois, mas não sempre, enquanto isso é raro entre os homens.
Elas costumam fazer cortes menores em locais escondidos, enquanto homens fazem cortes mais profundos e aparentes no peito e nos braços.
Os homens costumam falar dos seus cortes grandes e viris, mais do que as mulheres, e parecem ter uma maior aceitação quando se cortam deste modo. Se fazem cortes pequenos e escondidos, são dados como femininos. Se as mulheres fazem cortes pequenos e escondidos, são mais bem aceitas, enquanto que se praticarem cortes expostos nos braços ou rosto, são altamente estigmatizadas.
As pessoas se queimam com isqueiros, fazem marcas com pedaços de metal que esquentam e prensam contra o corpo. As queimaduras não dão uma imediata sensação de prazer – incham, criam bolha, soltam pus e infeccionam. São mais difíceis de controlar e duram mais.
Algumas pessoas que praticam as duas coisas deixam para se cortar quando se sentem muito mal e se queimam quando se sentem realmente péssimas.
Outras prensam a mão contra as portas a fim de quebrar os ossos, arrancam o cabelo, fio por fio, se arranham e tiram as cascas das feridas (às vezes mantendo-as abertas por anos), abrem velhos ferimentos e evitam que cicatrizem por completo.
Muitas pessoas mantém um kit onde guardam os instrumentos preferidos. Elas podem levar consigo para onde forem ou manter em casa, caso estejam seguras de que conseguem esperar até voltar para casa.
Elas podem tanto preferir certos locais do corpo para a prática, como mudar de local assim que um torna-se “gasto”. Costumam gostar de preparar o ambiente com iluminação suave e músicas melancólicas. Buscam privacidade, pois não querem ser interrompidas. Tudo gira em volta delas mesmas.
Durante o período estudado, houve aumento ou diminuição da prática? Em sua opinião, por que isso acontece?
Houve grande aumento na prática. As estimativas atuais sobre a predominância da automutilação são difíceis de formular com a tradicional base de dados primariamente baseada em internações psiquiátricas e internações emergenciais.
O número de automutilados se aproxima dos 20% de todos os adultos em internação psiquiátrica, com 40 a 80% concentrada na população adolescente.
Em 1988, Favazza e Conterio descobriram que entre 7 a 10% dos pacientes internados em alas psiquiátricas que eles observaram começaram a praticar a automutilação, enquanto que dez anos mais tarde Briere e Gil (1998) constataram uma taxa de 21%.
Entre os adolescentes internados em alas psiquiátricas, essa taxa tem sido maior. Darche (1990) sugeriu que esse foco específico da população vem se automutilando em uma taxa de 40%, enquanto DiClemente, Ponton e Hartley (1991) afirmam que podem chegar a 61%, mas outros sugerem que se poderia alcançar a margem de 80%.
A quantidade de lesões auto-infligidas que figuram nas estatísticas oficiais das salas de emergência são difíceis de sondar, pois a automutilação é agregada com auto-envenenamento, frequentemente caracterizado como tentativa genuína de suicídio.
O problema nisso é que muitas pessoas fazem uso de ambas as práticas, e, assim, a maior parte dos episódios de automutilação não é detectada.
De qualquer modo, pesquisas sobre internações em hospitais do Reino Unido estimam um aumento substancial nas taxas e repetições da automutilação em ambos os gêneros ao longo de 11 anos de estudo, entre as décadas de 1980 e 1990 (62,1% de aumento entre os homens e 42,2% de aumento entre as mulheres).
Mesmo as Maldivas, um pequeno grupo de ilhas na costa da Índia, reportaram em 2009 que o número de entradas em hospitais por ferimentos auto-infligidos teve uma dramática ascensão ao longo dos últimos anos.
Psicólogos tentaram estimar o predomínio da automutilação na população em geral, sugerindo algo entre 1% e 4%, com mais de 20% pertencente ao subgrupo adolescente.

Estudos mais recentes no meio adolescente sugerem que as taxas norte-americanas de automutilação podem chegar a 14-15%, alcançando quase os 50% nos dois primeiros anos do Ensino Médio, com dados similares entre estudantes universitários.
A razão para isso é o fato de que a automutilação é altamente contagiosa socialmente.
Na internet há vários grupos de apoio e discussões que reúnem pessoas de todo o mundo que passaram por experiências semelhantes. Qual é o papel desses grupos?
Comunidades virtuais, salas de bate-papo, grupos, blogs, etc. são meios em que pessoas solitárias isoladas podem interagir. Quando a automutilação inicialmente explodiu no ciberespaço, em meados dos anos 2000, as postagens eram muito esporádicas. Mas agora foram substituídas por locais moderados em que raramente são encorajadas experiências de automutilação.
Achamos que eles são muito úteis para os automutiladores. Ajudam as pessoas a escapar dos estigmas do comportamento e a descobrir uma comunidade que as entenda e aceite. Se quiserem parar, existirão pessoas para ajudá-las. Se tiverem uma recaída, existirão pessoas para aceitá-las, que não desistirão delas. Para as poucas que abraçam a causa, existem outras como elas.
A propagação da automutilação na internet vem sendo terapeuticamente benéfica.
Os automutilados são, normalmente, pessoas solitárias. Qual é a relação entre esse sentimento, presente na subjetivação do indivíduo, e sua exposição em meios públicos como a internet?
É verdade que a automutilação é uma prática predominantemente solitária. As pessoas não querem estar junto de outras quando o fazem e sua atenção é interiorizada. Mas frequentemente procuram outras pessoas para falar sobre aspectos das suas vidas que as levam a cometer o autoflagelo e sobre sua luta contra isso.
A maior parte das pessoas no mundo real não tem habilidade para entender a luta dos automutiladores ou não tem a paciência para aturar suas frequentes carências emocionais.
Já on-line, há milhares de pessoas dispostas a escutar os intermináveis problemas alheios em troca de poder partilhar os seus próprios. Ou algumas pessoas apenas escutam os problemas alheios e os apoiam como uma forma de sustentar a própria abstinência; ajudam a si ajudando os outros.
Quais aspectos legitimam a prática da automutilação como fenômeno social?
Eu diria que o aumento dramático na quantidade de pessoas que se automutilam é um dos fatores que reforçam a sua legitimação. A maior parte das pessoas com quem converso conhece alguém que luta contra esse comportamento. Muitas outras viram em filmes, documentários, programas de TV ou leram sobre o assunto em algum lugar.
Não pensamos nisso mais como um gesto suicida, mas reconhecemos que é antissuicida, uma forma que as pessoas têm de se “autotranquilizar”, para poderem desviar sentimentos suicidas em potencial. É uma ponte que muitas pessoas usam durante períodos árduos das suas vidas até que as coisas melhorem.
É um mecanismo de enfrentamento que as pessoas usam para lidar com sua tristeza, raiva, chateação.
É moderadamente efetiva, não é fisicamente viciante, não é ilegal e não machuca os outros. Então, algumas pessoas a consideram uma alternativa não tão ruim quanto as drogas, a violência contra os outros ou formas piores de autoflagelo.

The Tender Cut: Inside the Hidden World of Self-Injury
Patricia A. Adler e Peter Adler
New York University Press
264 págs.
US$ 22 (R$ 43)