Iniciando essa semana a série de posts em comemoração dos 10 anos do ViaFreud! #10anosViaFreud"
A cada semana (ou quinzena, ok?) postarei um artigo selecionado pelo próprio autor especialmente para os leitores do ViaFreud! Claro que não são autores quaisquer, são pessoas que fizeram - e fazem - parte do percurso do blog e que são importantes na minha formação, seja como referencia teórica, como professor, como parceiro de trabalho e pesquisa ou colega do doutorado...
O primeiro escrito é da Ana Suy, com quem já troco figurinhas há 10 anos, desde o início do blog. Apesar de morarmos longe e termos mantido um contato virtual todo esse tempo, nossos percursos se cruzaram na UERJ no ano passado e acabamos nos conhecendo no doutorado.
“Nota sobre o desejo.
A gente
não precisa beber todo o vinho do mundo num único jantar e nem todas as
cervejas no começo do churrasco. Não precisamos dormir até entrar em coma e nem
comer até vomitar. A gente não precisa ser amado até se deixar sufocar e nem
amar até tirar o ar do outro. Não precisamos abraçar alguém tão forte até
esmagar os ossos dela e nem beijar alguém com tanta intensidade que a deixe
roxa (ao menos não sempre). Não precisamos estudar o tempo todo, nem trabalhar
o tempo todo, nem tirar férias o tempo todo. Não é preciso que sejamos felizes
ou tristes o tempo todo. A vida está nas oscilações. As grandes alegrias, assim
como as grandes tristezas, só são sentidas em alguns intervalos. Nem toda falta
dói, nem toda realidade nos angustia. As nossas fantasias, às vezes (muitas
vezes) (quase sempre), são melhores do que a realidade e isso não significa que
tenhamos que “criar menos expectativas” (como se fosse possível!), mas que
talvez seja o caso de curtirmos a nossa capacidade de fantasiar.
O desejo está
aí para ser desejado e isso não significa que todos os desejos devam ser
realizados (aqueles que fazem análise bem sabem o tanto de coisas que a gente
deseja, mas que deuzolivre desses desejos virarem realidade). As demandas das
outras pessoas sobre nós, estão aí, nem todas para serem atendidas, mas nem
todas para serem recusadas.
Freud nos ensina que não existe objeto de
satisfação para o nosso desejo na realidade, que só há objeto de satisfação
para o desejo na nossa fantasia, ou no nosso delírio. Assim sendo, nosso desejo
nunca poderá ser plenamente satisfeito. Isso não significa que devamos ser
cínicos e sequer irmos em busca daquilo que queremos, pois dizer que o nosso
desejo não pode ser plenamente satisfeito não é o mesmo que dizer que o nosso
desejo não pode ser parcialmente satisfeito. Então, que nos satisfaçamos
parcialmente! Que sejamos não-todos felizes, mas ainda assim, felizes. Que
sejamos não-todos leves, mas ainda assim, leves. Deixemos espaço para o desejo!"
"Há várias maneiras de amar.
Há várias possibilidades de desejar. Freud diz que o ser humano tem uma
predisposição à bissexualidade pulsional. Com isso ele afirma que a nossa
sexualidade não é instintiva como a dos animais. Ninguém nasce sabendo que é
homem ou mulher, nossa anatomia não garante nosso modo de nos posicionar na
sexualidade.
Assim Freud inaugura seu conceito de pulsão. O instinto é animal,
a pulsão é humana. Se o instinto concede ao animal um saber o que fazer com sua
existência, com sua sobrevivência (um animal selvagem não tem crise de
ansiedade por estar entre muitos animais ou crise de culpa porque precisou
matar seu semelhante para comê-lo), já o humano não carrega consigo um sentido
para a vida, um saber o que fazer com seu corpo e com sua existência.
Então, em
nós, humanos, tudo isso será construído: o gênero, a sexualidade, como queremos
gastar nosso tempo de vida, os valores que teremos, quem vamos amar, etc. Essas
coisas serão construídas ao longo do tempo que, em psicanálise, chamamos de
complexo de édipo.
É como se viéssemos desprogramados para a vida e o complexo
de édipo fosse o tempo de nos programarmos. E aí, ao longo da vida, vamos nos
reprogramando. É por isso que, em 1905, quando a homossexualidade ainda era
considerada uma patologia, Freud já dizia de 3 possibilidades de
homossexualidades e afirmava que elas não eram patológicas ou degenerativas.
É
por isso que, em 1920, ao responder a carta que uma mulher escreveu para Freud
pedindo ajuda para lidar com seu filho homossexual, Freud disse que a
homossexualidade não era algo do que se envergonhar.
É por isso que, no mesmo
texto de 1905 (Três ensaios sobre a sexualidade), Freud disse que a
homossexualidade era um problema, sim, mas que a heterossexualidade igualmente
o era.
Entendo que, é nessa linha de raciocínio que a psicanálise, entende que
a "escolha" sexual de um sujeito (com muitas aspas, visto que é uma
escolha não tão escolhida assim) - se é homossexual, se é heterossexual, se é
bissexual, é apenas o modo dele de lidar com a sua sexualidade, que é pulsional
e não instintiva.
Porque, sim, somos seres pulsionais. Não amamos ou desejamos
as pessoas porque queremos nos reproduzir e disseminar a espécie humana.
Amamos
e desejamos as pessoas porque é o nosso modo de lidar com nosso desamparo
fundamental. Porque nascemos sozinhos e biologicamente imaturos para
sobrevivermos sem um outro, e para que a gente possa se tornar gente, precisa
se alojar na subjetividade de alguém.
E depois a gente vai se separar de alguém
e querer encontrar outro alguém que nos dê notícias do quão é bom e necessário
para nós, humanos, fazermos laços com os outros.
Não tem nada a ver com
procriação, com Adão e Eva, com genes, com nascer para isso ou com nascer para
aquilo. Tem a ver com o que cada um de nós pode fazer para dar conta dessa
difícil tarefa de conjugar a vida com amor, desejo e gozo."
Ana Suy é Psicanalista, Professora
universitária, Doutoranda em pesquisa e clínica em psicanálise pela UERJ, Mestre em Psicologia pela UFPR, graduada, graduada em psicologia pela PUC-PR.
Autora dos livros "Amor, desejo e psicanálise" (Ed. Juruá, 2015) e
"Não pise no meu vazio" (Ed. Patuá, 2017).
Escreve semanalmente às
segundas-feiras para o coletivo Confraria dos Trouxas e mantém a página Ana Suy no
Facebook .
Fernanda Pimentel é psicanalista e atualmente cursa doutorado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise na UERJ, pesquisando sobre a psicanálise na atualidade e a clínica contemporânea.
Atende em consultório em Niterói e Copacabana.