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2 de março de 2010

Seminário na EBP

O amor e suas parcerias

O AMOR E SUAS PARCERIAS

Coordenação: Heloisa Caldas

Local: sede da EBP-Rio. Rua Capistrano de Abreu, 14. Botafogo

Horário: sextas-feiras de 16:00 às 17:30

Freqüência quinzenal: Início em 09 de abril de 2010.

O seminário é aberto a todos os interessados.

Afinal o que é o amor?

Ninguém jamais conseguiu definir. Em geral, são os poetas os que se arriscam a falar do amor, talvez porque saibam que ele mora no exercício da fala. ‘Eterno enquanto dura’, revirado pelo avesso em ódio e devastação, nascendo ou morrendo, o amor é enigma que ‘dá dentro da gente e não devia, não tem tamanho’. Dizem que ‘rima com dor’, mas em psicanálise rima também com transferência, narcisismo, desejo. Ou seja, com os recursos contra a dor, as tolices com que colorimos a vida para lidar com o desamparo, o gozo tão Outro, as exigências da pulsão. Como todas as divinas tolices, assim como a moda, a verdade, a arte e a prosa, o amor se transforma conforme os tempos. Então, ‘com que roupa’ o amor vai, hoje, ‘ao baile que você lhe convidou?’

Para trabalhar o tema na clínica atual, proponho uma leitura das contribuições clássicas de Freud, as inovações de Lacan e os avanços de Jacques-Alain Miller sobre a vida amorosa. A idéia é percorrer textos fundamentais como as contribuições à vida amorosa de Freud, o escrito A significação do falo, alguns trechos do Seminário XX de Lacan, além dos comentários de Miller em Logicas de la vida amorosa e em seu curso O parceiro-sintoma, sempre que possível, à luz das bizarras histórias que blogs, orkuts, redes, sites, baladas e naites nos oferecem.

Heloisa Caldas


A EXPERIÊNCIA DO REAL NO TRATAMENTO PSICANALÍTICO (MILLER)

Coordenação: Jaime Araújo Oliveira

Local: Rua Mário de Andrade nº 10 – Largo dos Leões – Humaitá.

Horário: 2ª feiras (quinzenalmente), 19:00.

No Capítulo 2 (“O Real e o Semblante”), que acabamos de trabalhar, Miller parte de uma crítica a posteriori do primeiro Lacan, desde o último, quanto à relação - indicada no título - entre real e semblante. Crítica centrada no processo que JAM chama de “significantização” do real, e que, para ele, marcou o Estruturalismo e, a partir deste, o primeiro ensino de Lacan.

Esta discussão desemboca, no final do capítulo, na idéia de uma “inversão da metáfora paterna” (NP / DM). Ou seja, ao invés do NP, enquanto semblante, representar, e com isso produzir o DM, entendido como significado, como sentido (o que Miller chamou em outra ocasião de R2); é o DM, mas enquanto da ordem do real como resto (R3), que produz o NP enquanto semblante.

Para Miller, isso leva o último Lacan a “questionar a radicalidade da metáfora paterna”. O que tem como conseqüência, em primeiro lugar, mostrar a neurose e a psicose como apenas “distintas modalidades de estabelecer semblantes” (contra a concepção ainda algo deficitária da psicose no primeiro ensino). Mas, mais amplamente, implica em “um rebaixamento do campo da linguagem e da função da palavra”, “um rebaixamento de tudo o que é saber em relação ao real”, uma concepção de que tudo o que é da ordem das “relações entre significante e significado (...) não vale mais do que como semblante em relação ao real”, e como “defesa contra o real”.

Decorre daí, para Miller, o que ele vê como uma orientação da direção do tratamento no último Lacan: “perturbar em um sujeito a defesa contra o real”. Tema pelo qual se inicia o próximo capítulo, intitulado ”Perturbar a Defesa”.

Jaime Araújo Oliveira

28 de fevereiro de 2010

Mais sobre o DSM-5

Edição da "bíblia" da Psiquiatria com novas doenças mentais

Distúrbios alimentares e sexuais entram na DSM5

Compulsão alimentar, acumulação de bens, distúrbio de humor disfórico, dificuldades de aprendizagem ou desejo sexual coercitivo continuado são alguns dos novos rótulos que incluem a mais recente edição do manual de Psiquiatria por excelência, a quinta edição do DSM (acrónimo em inglês do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), adiantou a Associação Americana de Psiquiatria.

A última versão desta bíblia datava de 1994 e a sua actualização era muito esperada pela comunidade científica. Neste momento, a nova classificação (que vai ser submetida a debate publico a partir de 20 de Abril), ainda tem que ser reavaliada e estudada por especialistas nos próximos anos, de maneira que não será considerada oficial antes de Maio de 2013.

Os primeiros dados conhecidos já estão a dar que falar. Para alguns a DSM5 simplifica algumas doenças mentais, agrupando-as em categorias mais amplas e claras. No entanto, para os mais críticos, a nova edição considera doenças mentais condutas não necessariamente desviantes.

Segundo Jerome Wakefield, professor de Psiquiatria na Universidade de Nova Iorque, alguns distúrbios que o manual reconhece supõem uma forma de estigma “e podem levar muitas pessoas a tomar medicação desnecessariamente”.

A DSM5 não é uma mera lista de patologias e a sua publicação tem enormes implicações tanto para investigadores, companhias farmacêuticas, seguradoras de saúde, como para políticos e doentes.

O Washington Post chega mesmo a afirmar que entre os próximos anos de debate ate à sua publicação definitiva, se pode prever um movimento de milhares de dólares no sector.

Novos diagnósticos

Esta enciclopédia inclui um total próximo de 300 diagnósticos diferentes, o que supõe um aumento realmente significativo em relação à quarta edição.

Entre as novidades máis destacáveis está a definição de uma categoria de distúrbios do espectro autista, em que se incluíram tanto o autismo propriamente dito como outras variedades próximas como o síndrome de Asperger, ou o chamado transtorno de alteração de humor disfórico, que poderia ser aplicado a crianças com birras graves e variações de humor que até agora têm sido diagnosticadas como bipolares.

Uma das alterações linguísticas mais importantes do novo manual contempla mudar o término ‘atraso mental’ por outro mais politicamente correcto como ‘incapacidade intelectual’; até ao momento o vício em Internet está de fora da categoria condutas aditivas porque os especialistas consideram que não existem ainda evidências suficientes para ser considerado uma doença.

No campo das anomalias sexuais, inclui-se o transtorno hipersexual, o desejo baseado na coacção a outras pessoas ou o transtorno de penetração (caracterizado pelas dificuldades e ansiedade na hora de completar o coito vaginal).

Além disto, a DSM5 enumera uma extensa lista de parafilias e desvios sexuais, como o frotteurismo (definido por um desejo prolongado por mais de seis meses de obter prazer roçando os genitais em outra pessoa sem o seu consentimento), o voyeurismo, sadismo, masoquismo ou fetichismo, assim como outros transtornos de identidade de género.

´´meu lado mais doce e bruto: a escrita``

Quinta feira passada, barzinho com amiga de infância, Bohemias geladas, papo cabeça, poesia...




Atrevo

Quero sentir o gosto daquilo que lhe é possível saborear. Não quero invadir nem me quero mexida. Penso leve, palavras duras e pontiagudas. Tudo se dá na cabeça: essa que fala, que escuta, que pende para trás em êxtase. Digo coisas ao seu ouvido... ãh?! Diz-me coisas que não escuto... ãh?! Perdoe-me, mas somos da mesma espécie: só piso no caminho que acho que devo seguir.


Me atrevo pouco. Mas rio do seu sorriso... quê fazer?!...

Um certo humor leve que ganha proporções monumentais quando escuto em voz e melodia. Percebo seus caminhos pelo mundo todo... vão livre, um certo horizonte interminável de um olhar que beira o exótico, o ingênuo, o inacreditável, o profundamente elaborado.

E assim ouço tudo o que me tem a dizer. Palavras que saem dessa tocha de fogo humana como cuspe de dragão. Aceito sim, sua proposta de amizade anunciada - mesmo sem acreditar que amizades (ou inimizades) possam ser resolvidas em contratos verbais... - aceito tudo o que me diz, carbonizada.

Me atrevo um pouco. Continuo rindo do seu sorriso... discordo do que não concebo. Deixo para conceber mais tarde.

Apresento-me pelo meu lado mais doce e bruto: a escrita. Porque também eu sei cuspir fogo. Também castigo minha garganta com coisas entaladas ou que serão ditas como num grito que leva à rouquidão. Minha recuperação de cicatrizes é lenta, mas fecha por inteiro. Só que não quero fechar, mostro-me em palavras rimadas e descompassadas que é a única forma que sei fazer. Não cultivo pudores. Tento fazer o mesmo com traumas.

Jurei que não escreveria. Quase impossível... tom de provocação mansa, presença sutil, também alimento meu ego cultivando pessoas e impossibilidades. Seres reais que merecem uma narrativa real. E fogo... ah, esses seres de fogo... garganta em brasa, incêndio fora do controle. Pessoas assim, em própria autodefinição subjetiva.

Me atrevo muito. Porque o que tenho para servir é água com açúcar, e pimenta.

Percebo o receio de envolver-se. Percebo o desejo de in-volver-se (sic), paradoxalmente. Misto de curiosidade e coragem, essa gente que tá sempre botando a mão no fogo pra ver se queima. E, em insólitas situações, sempre queima... - enxugo suas duas lágrimas - sensação de faísca de fósforo: assim te toco, lixa e pólvora... fogo, que já sabíamos que éramos fogo, filhos do mesmo dia do ano.

Espelhadamente faz as perguntas que faço.
Diz as palavras que digo.
Pessoa-fogo, desde a garganta até às palavras.

Eu sou esse tipo de pessoa também que vive se explicando. Tenho a insana percepção de que não sou realmente compreendida pelas minhas palavras duras, radicalismo, uma certa ironia. Para poucos. Sou assim, pessoa para poucos. Querida por muitos, mas compreendida por poucos. Entrego minha essência nas entrelinhas.

Me atrevo demais... e não me acho.

Meu toque de água nesse ferver em banho-maria. Vou deixar o fogo baixo se acalmar, sem queimar o fundo da panela... sem pressa... incêndio controlado. Energia dócil e feroz. Mas vou deixar, fogo baixo... quero o saborear da vida leve.

Voto de silêncio para curar.
E não me atrevo mais...


_ml_fevereiro/2010
para jean kuperman

beleza

Vi no blog Amigos do Freud

O que significa, para uma mulher, ser feia nos tempos atuais? Qual o preço pago, os sacrifícios impostos e os sofrimentos vividos? A quais práticas se submetem para escapar do “intolerável da feiúra?”

“A gordura acabou com a minha vida” estampava a manchete do Jornal da Família, suplemento dominical do jornal O GLOBO, de 19/01/2003.

Sabemos que, historicamente, a imagem de mulher se justapõe com a de beleza e, como segundo corolário, à de saúde (fertilidade) e juventude. A contemporaneidade,contudo, parece ter levado ao paroxismo tais representações, como veremos no decorrer de nosso trabalho. As imagens refletem corpos super trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro ou corpos medicalizados, lutando contra o cansaço, contra o envelhecimento ou mesmo contra a constipação.




Fotografia David LaChapelle

Implícita está a dinâmica perfeição/imperfeição, buscando atender aos mais antigos desejos do ser humano, conforme narram os mitos, os elixires e fontes de eterna juventude. Beleza exterior e saúde, aparência desagradável e doença, cada vez mais se associam como sinônimos, no tocante às representações do corpo feminino. A questão tradicional, aceitar ou não o corpo recebido parece transformar-se em – como mudar o corpo e até que ponto?

O corpo, nos dizia Levi Strauss, é a melhor ferramenta para aferir a vida social de um povo. Ao corpo cabe algo muito além de ocupar um espaço no tempo. Cabe a ele uma linguagem que se institui antes daquilo que denominamos “falar”, que se exprime, evoca e suscita uma gama de
marcas e falas implícitas.

O corpo fala e as marcas nele feitas também. A questão estética se impõe como forma e fôrma e o que é belo pode vir a ser feio. Da mesma maneira, o belo pode instituir um padrão de feiúra. No fundo, vivemos no fio de uma navalha, fio este que tenuamente separa feiúra e beleza. O presente trabalho tem como objetivo investigar qual a relação existente entre a mulher e a beleza na contemporaneidade e qual o preço pago para “ser bela”. A feiúra, conforme demonstraremos a seguir, é uma das mais penosas formas de exclusão social na atualidade. Mas
quais são as insígnias da feiúra? Acreditamos que significa não ter o corpo e a estética aceitos socialmente, ou seja: ser jovem, ser magro e ser saudável.

Buscamos também apontar como a imagem da mulher e do feminino continua associada à da beleza, havendo cada vez menos tolerância para os desvios nos padrões estéticos socialmente estabelecidos. Neste sentido, tomamos a gordura como o paradigma da feiúra e apontamos para os processos de exclusão vividos por aqueles que nela se enquadram. As falas que ilustram o trabalho, e que utilizaremos como epígrafes, referem-se à uma pesquisa realizada em 2001, sobre a qual falaremos mais adiante.





ESTÉTICA E EXPECTATIVAS SOCIAIS : O DEVER MORAL DE SER BELA

“Acho que a cultura atual preconiza que estejamos bem para poder expor ao máximo o corpo. Hoje em dia vale muito mais um braço sarado do que roupas caríssimas, e olha que eu posso dizer, pois já fui estilista.” Courtine (1995) evidencia, através de alguns exemplos históricos, o fascínio e o estado de corpolatria característico da sociedade em que vivemos. Segundo o autor esse processo remete-nos ao fato de que, em outros momentos históricos, a apreciação estética do corpo, se dava de uma forma menos fragmentada, na qual não estavam em jogo pedaços/recortes da anatomia humana, sendo valorizado um todo harmônico.

“A atração que Charles Atlas exercia sobre o público dos anos 20 centrava-se na visão do conjunto de uma pujança corporal harmoniosa; o sucesso de Jhonny Weismuller, nas salas de cinema dos anos 40, decorria da elegância “natural” de sua musculatura(...) A fascinação que o corpo de Schwarzenegger provoca sobre o grande público da telinha é de outra natureza: congelado numa luz crua, quase cirúrgica, o body-builder faz sobressair os mínimos detalhes de sua massa corporal. Estrias das fibras musculares, ramificações da rede vascular, palpitações de um tórax estufado: a imagem ideal do corpo que o body-builder de hoje configura é aquela dos corpos destinados aos estudos anatômicos”. (p.103)

É também preciso ressaltar que o controle exercido através da fiscalização de um olhar minucioso sobre a aparência e com o aval da ciência, contribui para regulamentar diferenças e determinar padrões estéticos em termos daquilo que é próprio e impróprio, adequado ou inadequado, normal ou anormal. Como bem sugere Durif, “o corpo torna-se álibi de sua própria imagem.”. Esse controle da aparência traduz-se não somente na atribuição de características estéticas, como investem-nas de julgamentos morais e significados sociais.

Leia o artigo todo aqui.


PRAZER OU DOENÇA?

O DSM-5 já esta causando polêmica. O aumento de números de novos diagnósticos e transtornos (mais 300 novos transtornos) nos faz pensar nesse excesso que transforma qualquer comportamento num oficial transtorno psiquiátrico. O manual só será lançado em 2013, mas seu rascunho ficará disponível na internet (www.dsm5.org) até abril.

O que mais tem chamado atenção são os transtornos relacionados a sexualidade, que colocam em jogo a a questão: E PRAZER OU E DOENÇA?

Veja a matéria da Revista Época:

O manual da psiquiatria está sendo revisto. Entre os novos distúrbios deverá estar o impulso incontrolável de fazer sexo

A paulistana Priscila S., de 49 anos, considera sua vida absolutamente normal. Ela dá aulas de inglês, faz ginástica, gosta de ir ao teatro e a bares e restaurantes com o marido e os amigos. Priscila diz que seu casamento sempre foi ótimo e está ainda melhor desde 2000, depois que o casal descobriu o BDSM, sigla para a expressão Bondage, Disciplina, Sadismo e Masoquismo. Os adeptos da prática gostam de dominar ou ser submissos para atingir o prazer sexual, o que pode ou não envolver dor. Há os que, como Priscila, se excitam ao ser amarrados ou ficar pendurados nus por horas sendo observados. E aqueles que, como seu marido, sentem prazer em amarrar, dominar e, às vezes, dar mais do que uns tapinhas. Tudo é feito com o consentimento do outro. “É uma sensação indescritível de bem-estar”, afirma a professora. A prática que dá prazer a Priscila é classificada como distúrbio psiquiátrico pela Associação de Psiquiatria Americana (APA). A entidade elabora o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais (DSM), referência para médicos de todo o mundo.

Publicado em 1952 e atualizado pela quarta e última vez em 1994 (houve apenas uma revisão de texto em 2000), o documento de 943 páginas, que descreve cerca de 300 distúrbios psiquiátricos – entre eles os sexuais –, está sendo reformulado. O DSM-5 será publicado em 2013, mas a lista com as propostas dos comportamentos que passam a ser considerados anormais, os que deixam de ser e os que se mantêm foi divulgada em fevereiro. Aqueles que, como Priscila, não concordam com a permanência das práticas de BDSM no manual, como está sendo proposto, ou com qualquer outro item da lista, poderão se manifestar. O rascunho ficará disponível na internet (www.dsm5.org) até abril.

Se depender do apoio de maridos pegos sobre a cerca, uma das propostas que deve fazer sucesso é transformar o impulso sexual excessivo – ou compulsão sexual – oficialmente em transtorno psiquiátrico. Estima-se que o problema – caracterizado pela obsessão incontrolável pelo ato sexual, capaz de prejudicar a capacidade de concentração e de dedicação às tarefas do dia a dia e comprometer o trabalho, a saúde e os relacionamentos da pessoa – afete cerca de 6% da população dos Estados Unidos. Mesmo assim, tal impulso incontrolável é visto com certa desconfiança, dada a quantidade de homens que já apelaram a ele para justificar suas aventuras sexuais fora do casamento. Depois de antecessores famosos como os atores Michael Douglas e David Duchovny, o compulsivo da vez é Tiger Woods, que deu uma entrevista coletiva se desculpando por seu problema incontrolável na semana passada. O campeão de golfe passou um tempo internado para tratar da suposta compulsão sexual depois que vieram à tona seu caso extraconjugal com uma garçonete de Nova York e aventuras com pelo menos uma dezena de outras mulheres

A vantagem de incluir no novo manual uma doença que já é tratada pela medicina, segundo o psiquiatra Luiz Alberto Hetem, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, é poder estudá-la mais detalhadamente e descobrir quais tratamentos e intervenções dão melhores resultados. No caso da hipersexualidade, isso também poderá aumentar a credibilidade dos pacientes. “Mas pode ter como efeito colateral mais justificativas médicas para casos de adultério”, diz. De acordo com Hetem, mais controversa do que a proposta de incluir a hipersexualidade no rol das doenças psiquiátricas é a que pode servir de argumento para livrar estupradores da cadeia. Ele diz que essa é a segunda vez que se considera incluir no DSM o Transtorno Obsessivo Coercivo, definido como “fantasias e desejos intensos com a possibilidade de forçar outra pessoa a fazer sexo”. A primeira foi em 1984, na terceira revisão do documento. A inclusão foi rejeitada, pois os responsáveis concluíram que seria impossível validar de maneira confiável o que diferenciava os estupradores doentes dos antissociais. A proposta atual continua com a mesma dificuldade. Mesmo os especialistas que não são contrários a ela, como o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Unifesp, acreditam que ela deve ser barrada novamente. “O conceito é bom, não me oponho. Nem toda pessoa que comete estupro tem personalidade amoral, a maior parte sofre com o que está fazendo”, afirma. “Mas é fato que qualquer estuprador pego vai alegar o transtorno. E o diagnóstico é feito com base no relato do paciente.”

Fotografia Helmut Newton


Um dos grandes problemas de transformar comportamentos em distúrbios mentais é definir o limite entre a normalidade e o excêntrico, o inofensivo e o prejudicial. Em relação ao sexo, quais práticas são naturais e quais precisam de intervenção médica? Com base em que isso é definido? O conceito de saudável para a Organização Mundial da Saúde (OMS) define-se pelo “bem-estar biopsicossocial do ser humano”. Guiados por essa definição, os profissionais que estudam a mente humana dizem que comportamentos sexuais só precisam ser tratados quando afetamPamplona, psiquiatra e sexólogo, autor do livro Os 11 sexos, as múltiplas faces da sexualidade humana. O objetivo do DSM, portanto, é apenas servir como base para o diagnóstico e a identificação de um distúrbio. negativamente a vida do indivíduo ou dos que se relacionam com ele. “Se a pessoa não sofrer e não prejudicar terceiros, não é uma patologia”, diz Ronaldo

“A partir do reconhecimento do problema é possível conduzir um tratamento não para curar, mas para reduzir o sofrimento da pessoa.” E apenas quando este for o desejo do indivíduo, como foi o do advogado paulistano que prefere ser identificado como Márcio (nome adotado para proteger sua identidade). Ele é crossdresser, alguém com compulsão de se vestir e se portar como mulher, e fez 15 anos de terapia. Aos 46, casado, com uma filha, profissional de sucesso, leva uma vida tranquila. Duas vezes por semana ele se transforma em Márcia, em um apartamento que mantém no centro da cidade. “Não me sinto doente. Sou diferente dos padrões morais e éticos da sociedade”, diz. “O fato de eu não poder pôr para fora meus sentimentos é que me causava problemas, mas a terapia me ajudou a me aceitar.” O comportamento do advogado está descrito na atual versão do DSM, no capítulo das “parafilias”, definidas como preferências ou obsessões por práticas sexuais socialmente não aceitas. A proposta é que continue no DSM-5.

Márcio tem duas visões distintas sobre a lista de parafilias do manual psiquiátrico, que também inclui – e deverá manter – o voyeurismo (obtenção de prazer sexual através da observação de outras pessoas) e o fetichismo (uso compulsivo de objetos ou partes do corpo como estímulo à satisfação sexual.). Como advogado, é contra a retirada de algumas delas da classificação. Na Justiça, é preciso comprovar a “doença” para ter direito a atendimento médico público – inclusive para a operação de mudança de sexo em transgêneros. Como crossdresser, não acredita na necessidade de estar incluído numa lista de distúrbios. “Os comportamentos desviantes têm de ser analisados caso a caso, não precisam estar numa lista”, diz.

A lista é necessária, afirmam os médicos, porque ela vai orientar os diagnósticos clínicos e a pesquisa científica. Segundo a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, a classificação ajuda a normatizar. “Um psiquiatra recém-formado se baseia nela até aprender todas as características que fazem parte de determinado quadro clínico”, diz. Daí a necessidade das revisões periódicas. Um psiquiatra que estudou há 30 anos aprendeu que a pedofilia era um distúrbio exclusivamente masculino. Não é verdade, hoje se sabe. Até 1970, a homossexualidade era tratada como doença e fazia parte do DSM. Talvez não tivesse permanecido ali por tanto tempo se os homossexuais tivessem tido a oportunidade de se manifestar, como agora podem fazer os sadomasoquistas, os crossdressers e todos os que se identificarem na lista que está sendo proposta e não concordarem com ela. “Ainda que a decisão final caiba ao grupo de pesquisadores envolvidos na revisão, tenho certeza de que a opinião pública vai pesar”, diz o psiquiatra Luiz Alberto Hetem