O XXII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano vai acontecer no Rio de Janeiro em novembro desse ano trazendo um tema super atual: a queda do falocentrismo.
Confira o texto de apresentação de Marcus André Vieira, coordenador da comissão organizadora do Encontro.
Mais informações no site: http://encontrobrasileiro2018.com.br/
A queda do falocentrismo
Consequências para a psicanálise
XXII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
Quem mandou? Quem
mandou brincar na chuva, sair à noite? Quem mandou ir atrás, trair, amar
demais, dormir de menos? Quem? Algo em mim, mais
forte que eu – diria cada um de nós quando percebe que talvez tenha ido longe
demais no caminho do desejo.
O querer não costuma
seguir o bom senso, insiste e mira no que em nós, sem limite ou descanso, quer
mais – o que J. Lacan denominou gozo. A expressão “Quem
mandou?” porém, enfatiza apenas os perigos do desejo, como se sempre, mais cedo
ou mais tarde, tivéssemos de pagar a fatura de seus excessos. Nem sempre, ao
menos para Lacan que situa a psicanálise exatamente na arte de encontrar a
composição singular entre falta e excesso, desejo e gozo, que dê a cada um a
medida de seu destino.
A expressão situa-se,
assim, no avesso de uma análise por supor que há quem mande melhor, na justa
medida. “Isso não se faz” é o que enunciaria a tradição, nos convencendo de que
se assim sempre foi é porque assim deve ser. Seu poder, encarnado por Freud no
pai é em grande medida virtual, uma vez que ninguém sabe quem escreveu as
regras da cartilha. Seguindo-a, no entanto, assumimos práticas que constituem e
organizam nossos corpos, repartindo até nosso prazer: de um lado, o
“masculino”, tido como localizado e vigoroso; de outro, o “feminino”, dito
abrangente e sensível. Falo foi o nome freudiano para o ícone
mais comum desta cartilha que, juntando a fome com a vontade de comer, define
inclusive nossa natureza sexuada, estipulando complementariedades: para uma
mulher um homem, para um pai um filho e assim por diante.
Ocorre que a tradição
se sustenta na continuidade. Quando a tecnociência e o mercado dão as cartas,
porém, quando o sentimento de que não há mais limites ao que se possa fazer ou
vender generaliza-se, as coisas mudam. Se trinta anos na praça como taxista
valem nada diante do GPS, para que as prescrições do pai? Se o Google parece ler nosso pensamento ao nos sugerir onde comprar produtos
que apenas tínhamos começado a procurar, se o Spotify e seus podcasts sem autor nos
deliciam sem que tenhamos que escolher o que ouvir, como crer em uma
determinação maior?
O ocaso da crença no
universal do pai acompanha-se da queda do falocentrismo. Sem a avenida
principal da tradição, abre-se um sem número de vias para o gozo, para uma
cultura de galáxias plurais no lugar de sistemas ordenados. Quais seus efeitos
em nossos corpos e cidades? Há os que se aferram à tradição, mas, perdida sua
eficácia natural, tornam-se pais severos de uma violência sem par; há os que,
sonhando com a diversidade, se notam às voltas com o retorno de velhos
dualismos ou individualismos ali onde parecia crescer a pólis do poliamor.
É possível querer sem
o que transgredir? Seremos, no prazer, condenados aos desejos e gozos do
binarismo e à sua superação? E na política, nada mais haverá além do poder do
chefe e sua corrupção? Quem escolher quando a representação está em frangalhos
e nossos eleitos vivem para gozar? A que se dedicar quando o desempenho vale
mais que a ação eficaz? Quando somos empreendedores ou consumidores, nunca mais
trabalhadores?
Enquanto isso, o
querer segue em desassossego, promove ocupações, movimentos slow, saraus, intervenções, gozos trans, se encanta com os
ininteligíveis, ignora os likes, vibra com a
comunidade da comunidade sem exército, dá artes de sobrevida a nossos jovens
negros em tempos de genocídio. Não teria lugar a psicanálise nestes
espaços? Quais condições lhe favorecem ou fazem obstáculo hoje?
Nossa comunidade,
psicanalistas e não psicanalistas que compartilham da mesma orientação
lacaniana, constitui-se de trabalhadores decididos a enfrentar o desafio de
abordar as questões envolvendo a queda do falocentrismo, a partir do que sua
prática lhes ensina. Seremos, psicanalistas, suficientemente queers para estarmos à altura das soluções ao mal-estar de nossos dias
com as quais nos deparamos em nosso trabalho clínico? De que modo seguiremos
promovendo a surpresa de uma fala que encontra sua singularidade como sintoma?
E que, com ele, enfrenta o próprio destino e disto faz acontecimento?
Nosso Encontro
Brasileiro do Campo Freudiano repartirá estes horizontes em três eixos: Poderes, Eróticas e Sintomas. Interrogaremos nossa prática a partir
da ênfase nos poderes sem pai, na vida amorosa quando a falta e o falo não dão
mais as cartas e na pluralidade de novos sintomas que os dias atuais
descortinam. Contaremos com os flashes e reflexões
da prática psicanalítica, assim como com a bússola fundamental que nos
fornecem, por meio dos testemunhos de passe, as análises levadas às últimas
consequências. Poderemos, assim, examinar as “consequências para a psicanálise”
das soluções e impasses subjetivos de nosso tempo.
Marcus André Vieira
(Coordenador da Comissão Científica do XXII EBCF)
(Coordenador da Comissão Científica do XXII EBCF)
Fernanda Pimentel é psicanalista e atualmente cursa doutorado em Pesquisa e Clínica em Psicanálise na UERJ, pesquisando sobre a psicanálise na atualidade e a clínica contemporânea.
Atende em consultório em Niterói e Copacabana.