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6 de novembro de 2008

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"No homem, pelo fato de sua dependência da linguagem , a função orgânica se acha elevada, numa função erótica que a ultrapassa, de forma que tudo o que é da ordem da necessidade se vê subvertido e remanejado no registro do desejo. A partir daí a função orgânica do ser falante se vê arrastada até um ponto limite, num aquém do desejo, quase fora do alcance. Beber, comer, até mesmo respirar, tornam-se atividades eróticas que o corpo realiza apoiando-se mais na fantasia sustentáculo do desejo que na exigência do organismo."
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................................................S. André (O que quer uma mulher?)


...............................................Fotografia: Robert Mapplethorpe
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5 de novembro de 2008

I m p e r d í v e l !

No próximo dia 25 de Novembro, terça-feira, o psicanalista francês Éric Laurent fala numa conferência sobre Leitura cerebral e seus erros - Psicanálise e Neurociência na UFRJ.
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Clique e veja o site de Laurent.
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3 de novembro de 2008

POR QUE A GUERRA?

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Carta de Einstein
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Caputh junto a Potsdam, 30 de julho de 1932

Prezado Professor Freud,

A proposta da Liga das Nações e de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, em Paris, de que eu convidasse uma pessoa, de minha própria escolha, para um franco intercâmbio de pontos de vista sobre algum problema que eu poderia selecionar, oferece-me excelente oportunidade de conferenciar com o senhor a respeito de uma questão que, da maneira como as coisas estão, parece ser o mais urgente de todos os problemas que a civilização tem de enfrentar. Este é o problema: Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? É do conhecimento geral que, com o progresso da ciência de nossos dias, esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização, tal como a conhecemos; não obstante, apesar de todo o empenho demonstrado, todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso.
Ademais, acredito que aqueles cuja atribuição é atacar o problema de forma profissional e prática, estão apenas adquirindo crescente consciência de sua impotência para abordá-lo, e agora possuem um vivo desejo de conhecer os pontos de vistas de homens que, absorvidos na busca da ciência, podem mirar os problemas do mundo na perspectiva que a distância permite. Quanto a mim, o objetivo habitual de meu pensamento não me permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do sentimento humano. Assim, na indagação ora proposta, posso fazer pouco mais do que procurar esclarecer a questão em referência e, preparando o terreno das soluções mais óbvias, possibilitar que o senhor proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da vida instintiva do homem. Existem determinados obstáculos psicológicos cuja existência um leigo em ciências mentais pode obscuramente entrever, cujas inter-relações e filigranas ele, contudo, é incompetente para compreender; estou convencido de que o senhor será capaz de sugerir métodos educacionais situados mais ou menos fora dos objetivos da política, os quais eliminarão esses obstáculos.
Como pessoa isenta de preconceitos nacionalistas, pessoalmente vejo uma forma simples de abordar o aspecto superficial (isto é, administrativo) do problema: a instituição, por meio de acordo internacional, de um organismo legislativo e judiciário para arbitrar todo conflito que surja entre nações. Cada nação submeter-se-ia à obediência às ordens emanadas desse organismo legislativo, a recorrer às suas decisões em todos os litígios, a aceitar irrestritamente suas decisões e a pôr em prática todas as medidas que o tribunal considerasse necessárias para a execução de seus decretos. Já de início, todavia, defronto-me com uma dificuldade; um tribunal é uma instituição humana que, em relação ao poder de que dispõe, é inadequada para fazer cumprir seus veredictos, está muito sujeito a ver suas decisões anuladas por pressões extrajudiciais. Este é um fato com que temos de contar; a lei e o poder inevitavelmente andam de mãos dadas, e as decisões jurídicas se aproximam mais da justiça ideal exigida pela comunidade (em cujo nome e em cujos interesses esses veredictos são pronunciados), na medida em que a comunidade tem efetivamente o poder de impor o respeito ao seu ideal jurídico. Atualmente, porém, estamos longe de possuir qualquer organização supranacional competente para emitir julgamentos de autoridade incontestável e garantir absoluto acatamento à execução de seus veredictos. Assim, sou levado ao meu primeiro princípio; a busca da segurança internacional envolve a renúncia incondicional, por todas as nações, em determinada medida, à sua liberdade de ação, ou seja, à sua soberania, e é absolutamente evidente que nenhum outro caminho pode conduzir a essa segurança.
O insucesso, malgrado sua evidente sinceridade, de todos os esforços, durante a última década, no sentido de alcançar essa meta, não deixa lugar à dúvida de que estão em jogo fatores psicológicos de peso que paralisam tais esforços. Alguns desses fatores são mais fáceis de detectar. O intenso desejo de poder, que caracteriza a classe governante em cada nação, é hostil a qualquer limitação de sua soberania nacional. Essa fome de poder político está acostumada a medrar nas atividades, de um outro grupo, cujas aspirações são de caráter econômico, puramente mercenário. Refiro-me especialmente a esse grupo reduzido, porém decidido, existente em cada nação, composto de indivíduos que, indiferentes às condições e aos controles sociais, consideram a guerra, a fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal.
O reconhecimento desse fato, no entanto, é simplesmente o primeiro passo para uma avaliação da situação atual. Logo surge uma outra questão: como é possível a essa pequena súcia dobrar a vontade da maioria, que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de guerra, a serviço da ambição de poucos? (Ao falar em maioria, não excluo os soldados, de todas asgraduações, que escolheram a guerra como profissão, na crença de que estejam servindo à defesa dos mais altos interesses de sua raça e de que o ataque seja, muitas vezes, o melhor meio de defesa.) Parece que uma resposta óbvia a essa pergunta seria que a minoria, a classe dominante atual, possui as escolas, a imprensa e, geralmente, também a Igreja, sob seu poderio. Isto possibilita organizar e dominar as emoções das massas e torná-las instrumento da mesma minoria.



Ainda assim, nem sequer essa resposta proporciona uma solução completa. Daí surge uma nova questão: como esses mecanismos conseguem tão bem despertar nos homens um entusiasmo extremado, a ponto de estes sacrificarem suas vidas? Pode haver apenas uma resposta. É porque o homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição. Em tempos normais, essa paixão existe em estado latente, emerge apenas em circunstâncias anormais; é, contudo, relativamente fácil despertá-la e elevá-la à potência de psicose coletiva. Talvez aí esteja o ponto crucial de todo o complexo de fatores que estamos considerando, um enigma que só um especialista na ciência dos instintos humanos pode resolver.
Com isso, chegamos à nossa última questão. É possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade? Aqui não me estou referindo tão-somente às chamadas massas incultas. A experiência prova que é, antes, a chamada ‘Intelligentzia’ a mais inclinada a ceder a essas desastrosas sugestões coletivas, de vez que o intelectual não tem contato direto com o lado rude da vida, mas a encontra em sua forma sintética mais fácil — na página impressa.
Para concluir: Até aqui somente falei das guerras entre nações, aquelas que se conhecem como conflitos internacionais. Estou, porém, bem consciente de que o instinto agressivo opera sob outras formas e em outras circunstâncias. (Penso nas guerras civis, por exemplo, devidas à intolerância religiosa, em tempos precedentes, hoje em dia, contudo, devidas a fatores sociais; ademais, também nas perseguições a minorias raciais.) Foi deliberada a minha insistência naquilo que é a mais típica, mais cruel e extravagante forma de conflito entre homem e homem, pois aqui temos a melhor ocasião de descobrir maneiras e meios de tornar impossíveis qualquer conflito armado.
Sei que nos escritos do senhor podemos encontrar respostas, explícitas ou implícitas, a todos os aspectos desse problema urgente e absorvente. Mas seria da maior utilidade para nós todos que o senhor apresentasse o problema da paz mundial sob o enfoque das suas mais recentes descobertas, pois umatal apresentação bem poderia demarcar o caminho para novos e frutíferos métodos de ação.

Muito cordialmente,
A. EINSTEIN.
Viena, setembro de 1932.

Carta de Einstein
Em Obras Completas de Freud, Volume XXII

Para ver a resposta de Freud, enviada à Einstein clique aqui.

26 de outubro de 2008

Corpos Estreitamente Vigiados

.................................................Fotografia: Helmut Newton

Uma das representações mais antigas da melancolia que se conhece, ao menos no Ocidente, remonta à Idade Média. Está associada ao rígido controle das pulsões imposto pela Igreja Católica aos monges recolhidos ao isolamento dos mosteiros. Na iconografia medieval da melancolia encontra-se com freqüência a figura de um pobre monge assolado por figuras diabólicas que representam toda a sorte de tentações a que ele deveria resistir. A acedia, prostração da vontade que acometia o cristão dedicado a sacrificar todos os prazeres mundanos para melhor servir a Deus, é uma forma melancólica de rendição diante das exigências imperiosas de um corpo que, como viria a proclamar Lacan sete ou oito séculos mais tarde, não tem condições de sublimar todas as demandas de satisfação pulsional.
A repressão auto imposta exige tanto esforço da consciência e tamanha disciplina do corpo que acaba por enfraquecer o próprio sentido do sacrifício. A acedia, “retração da alma diante do objeto de seu desejo” (Yves Hersant, “L’acédie et sés enfants” em: Jean Clair, Mélancolie, génie et folie en Occident ), apela ao Diabo, uma vez que o penitente sente-se esmagado pelo tamanho da renúncia que se obriga a fazer. A figura lendária de Santo Antonio atormentado pelas tentações foi objeto de uma novela escrita por Flaubert, já no século XIX. “No fundo, não amo a Deus...”, queixa-se o personagem, abatido pelo “demônio do meio-dia” da melancolia.
O princípio do prazer é o que dá sentido à vida, escreveu Freud, já bem perto da nossa era. A recusa radical a todos os prazeres destrói o sentido da nossa passagem por este mundo, ainda quando esta se orienta em direção aos mais altos ideais.
Tão longe, tão perto. O que sabemos nós sobre a acedia medieval, em pleno século XXI? Existe alguma afinidade entre os sacrifícios auto-impostos pelos antigos monges e a liberdade com que os filhos do terceiro milênio predispõem-se ao desfrute de todos os prazeres? Existe alguma semelhança entre a antiga condenação cristã contra o gozo e a convocação permanente que apela a que o sujeito contemporâneo se entregue sem reservas a todas as tentações?
Bem: nem todas. As tentações da gula, por exemplo, são hoje ainda mais malditas do que na idade das trevas. As da preguiça e da indolência, nem se fala. O prazer, em nossa era, está intimamente vinculado ao movimento e à atividade. Os corpos pós-modernos têm que dar provas contínuas de que estão vivos, saudáveis, gozantes. Ao trabalho, moçada! A quietude não tem nenhum prestígio na era da publicidade, das raves embaladas a ecstasy, dos filmes de ação. Estamos liberados para usufruir todas as sensações corporais, mas para isso o corpo deve trabalhar como um escravo, como um remador fenício, como um condenado a trabalhos forçados. Anorexias, bulimias, seqüelas causadas pelo abuso de anabolizantes e de moderadores de apetite sinalizam a permanente briga contra as tendências do corpo a que se entregam, sobretudo, os jovens, numa sanha disciplinar de fazer inveja ao pobre Santo Antonio.
Tão longe, tão perto. Temos a liberdade, ou melhor, temos a obrigação de nos permitir todos os prazeres sexuais. Seria ótimo, se não fosse obrigatório. Quem não conhece o caráter desmancha-prazeres até das práticas mais libertinas, quando impostas pelo superego? Seríamos livres se não nos sentíssemos obrigados a dar provas permanentes de nossa capacidade de gozar. Seríamos mestres do hedonismo se não estivéssemos tão vigilantes em relação às performances sexuais, tão preocupados com as menores imperfeições de um corpo que se oferece ao outro como pura imagem. Seria ótimo, enfim, se estes corpos estreitamente vigiados não tivessem perdido algumas de suas capacidades básicas, essenciais ao próprio prazer.
Como por exemplo, a capacidade do abandono contemplativo. Há muita atualidade em Aristóteles, que inspirou Freud a escrever que o prazer dá sentido à vida. A Ética de Aristóteles não prega contra os prazeres, como viria a fazer o cristianismo, mas propõe uma hierarquia entre eles. Aristóteles não condena os prazeres puramente corporais: considera-os inferiores. Para ele, o prazer superior é o da contemplação: esta capacidade de conectar-se com o mundo num certo estado de silêncio do corpo e de desligamento da consciência auto-vigilante. A contemplação exige que se esteja em paz com o corpo e que a consciência esteja aberta ao momento, livre da pressão das fantasias e das exigências do superego. Condições semelhantes às exigidas para o desfrute dos prazeres sexuais. Mas nunca estivemos tão submetidos à tirania das fantasias prêt-à-porter e aos imperativos superegóicos da moral do gozo.

A modernidade resulta de um longo processo de disciplina e de auto-observação dos corpos. O Processo Civilizador, do sociólogo alemão Norbert Elias, é uma minuciosa investigação sobre a gênese da formação do que é hoje, para nós, o corpo civilizado normal. A socialização das crianças pequenas, desde as primeiras formações das sociedades de corte, consistia (como ainda hoje) no aprendizado de uma série de controles corporais. Aprende-se desde cedo como é que se anda no meio dos outros, como é que se come em presença de estranhos, como se controlam os impulsos corporais em público. A criação da moderna esfera privada nas sociedades liberais é indissociável da introjeção dos mecanismos de controle dos impulsos e dos afetos, na vida pública. Freud considerava o desenvolvimento de uma instância psíquica encarregada do auto-controle como um avanço da civilização. A auto-disciplina afetiva e corporal é condição do engajamento dos sujeitos na ordem social, diria Foucault, para quem a submissão voluntária é o braço subjetivo do poder. O auto-policiamento permanente é o preço a ser pago pela vida moderna, sobretudo nas cidades.
Mas houve uma transformação importante nos termos desse controle, acompanhando a mudança do capitalismo, desde a fase produtiva do início do século XX até a fase consumista dos nossos dias. Passamos de uma economia psíquica do adiamento do prazer para outra, do imperativo do gozo. A moral do self made man foi substituída pela moral do body-building. Isto não significa que em nossa era os corpos em exibição no mercado da imagem não estejam submetidos a formas de controle talvez tão rigorosas quanto as que torturavam os monges medievais. Fazer do corpo uma imagem oferecida ao olhar crítico do Outro exige muita disciplina, muito controle e, sim, muita repressão.
A quietude contemplativa, assim como a fruição sexual, só são possíveis se o corpo não estiver permanentemente vigiado pelo eu, auto consciente da imagem que pretende apresentar em público. Não devemos confundir a dimensão libertária do desejo com a dimensão superegóica da cultura do narcisismo corporal. Jean-Jaques Courtine detectou uma continuação do puritanismo na cultura norte-americana do body-building . Para Courtine, a sanha do fisioculturismo que data dos anos 1980 “não corresponde a um laisser-aller hedonista, mas a um reforço disciplinar, a uma intensificação dos controles. Ele não corresponde a uma dispersão da herança puritana, mas antes a uma repuritanização dos comportamentos cujos signos, de modo mais ou menos explícito, multiplicam-se hoje”.
Hoje, o chamado amor próprio depende da visibilidade. Não se trata apenas da beleza. Não basta ter um rosto harmonioso, um corpo bem proporcionado. É preciso aumentar a taxa de visibilidade, ocupar muito espaço no mundo. É preciso fazer a imagem crescer. Inflar os bíceps, as nádegas, os peitos, aumentar as bochechas, esticar o comprimento dos cabelos. A receita de beleza no terceiro milênio deve ser: muito tudo.
Não importa que com isso as mulheres fiquem mais ou menos parecidas com os standarts oferecidos pelos esteticistas. Um homem pode olhar as moças no bar ou na fila do cinema e classificá-las pelas características das intervenções que elas fizeram: seios de silicone, olhos arregalados por botox, cabelos alongados, lifting, dentes branqueados. Do ponto de vista delas o que importa é garantir um lugar de destaque nas vitrines do mercado das imagens.
Seria ingenuidade criticar a nova onda das formas siliconadas em nome de um ideal de corpo natural. O corpo humano nunca foi natural. As tribos mais primitivas se distinguem umas das outras pelas alterações estéticas, simbólicas e rituais nos corpos de seus membros. Do botox aos botocudos, do silicone às anquinhas, das escaras às tatuagens atuais, os corpos humanos são sempre desnaturados pelas práticas culturais. O que há de novo é o poder da tecnologia intervir cada vez mais na estrutura dos corpos, e o poder do marketing, que torna essas intervenções quase imprescindíveis. Não deixa de ser irônico que o padrão estético imposto pela tecnologia mais avançada se assemelhe ao dos corpos femininos do século XIX: as nádegas protuberantes, modeladas nas academias, substituem as anquinhas; as barrigas lisas imitam as cinturinhas de vespa obtidas com o uso de espartilhos. As filhas do pós-feminismo não medem sacrifícios para atrair os olhares masculinos. Ou a inveja das outras mulheres. Ou a aprovação do espelho, esta versão caseira da telinha.
E a prova dos nove do sucesso, qual será? O acesso aos mistérios do sexo e do desejo sexual? Não creio. O desejo não se dirige à perfeição, dirige-se ao enigma. Quanto ao erotismo, será que o sexo praticado entre os bombados e as siliconadas é mais interessante, mais inventivo, mais sacana do que o sexo entre pessoas fisicamente comuns? Conseguiremos ser, ao mesmo tempo, escravos da imagem e mestres da libertinagem?
Como o Santo Antonio de Flaubert, que já não é mais capaz de amar o Deus que lhe impõe tantas renúncias, os jovens escravizadores dos corpos do século XXI já perderam de vista a divindade à qual oferecem seus sacrifícios. A forma contemporânea da acedia medieval é o tédio que vitima jovens casais, apartados do saber inconsciente sobre o desejo sexual na medida em que obedecem cegamente à exigência superegóica de construir um corpo reduzido à dimensão de imagem sem interioridade, sem história, sem nenhum vestígio das imperfeições da vida.
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Maria Rita Kehl, psicanalista e escritora, autora de Ressentimento (Casa do Psicólogo), Videologias (Boitempo; em parceria com Eugênio Bucci), entre outros.

Veja o site da autora:
www.mariaritakehl.psc.br

21 de outubro de 2008

ESTRUTURA E PSICANÁLISE

Já havia comentado aqui do V SIMPÓSIO DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UERJ - ESTRUTURA E PSICANÁLISE que acontecerá dia 27 a 29 de outubro.

Recebi agora a programação do evento com os temas das mesas:

27 DE OUTUBRO, 2ª feira

CAPELA ECUMÊNICA DA UERJ

9h – MESA DE ABERTURA

  • Reitor da UERJ – Ricardo Vieiralves de Castro
  • Diretor do IP – Ademir Pacelli Ferreira
  • Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise – Doris Luz Rinaldi

9h30 às 11h – PLENÁRIA DE ABERTURA

  • Por que estrutura e psicanálise? Rita Maria Manso de Barros (UERJ, UNIRIO)
  • Pulsão e linguagem: a lalíngua lacaniana. Tânia Coelho dos Santos (UFRJ)
  • O corpo e o discurso. Heloisa Caldas (UERJ)
  • Paixão da linguagem. Ana Maria Rudge (PUC-RJ)

11h às 12h30 – PRIMEIRA PLENÁRIA

  • O objeto da psicanálise entre o signo e o significante. Marcus André Vieira (PUC-RJ)
  • Genealogia do objeto a - uma introdução. Marco Antonio Coutinho Jorge (UERJ)
  • Lacan, o mais sublime dos estruturalistas. Sérgio Scotti (UFSC)
  • Jacques Lacan: apropriação e subversão. Nadiá Paulo Ferreira (UERJ)

Coordenação: Heloisa Caldas Ribeiro (UERJ)

12h30 às 14h – Intervalo para Almoço

14h às 15h30 – SEGUNDA PLENÁRIA

  • O mana como furo na estrutura: Mauss com Lacan? Doris Luz Rinaldi (UERJ)
  • Angústia: uma questão de estrutura? Sonia Leite (UNESA)
  • Ato e desejo: a função ética do real. Fernanda Costa-Moura (UFRJ)
  • Tempo, acontecimento e estrutura. Ana Costa (UERJ)

Coordenação: Marco Antonio Coutinho Jorge (UERJ)

15h30 – Intervalo

16h – CONFERÊNCIA: Estrutura e religião. Sidi Askofaré (Universidade de Toulouse II – Le Mirail)

Coordenação: Sonia Alberti (UERJ)


28 DE OUTUBRO, 3ª feira

9h30 às 11h – SALAS SIMULTÂNEAS

MESA 1 – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

  • Sujeito, estrutura e rede: a psicanálise na atenção psicossocial. Ana Cristina Figueiredo (UFRJ, UERJ), Ana Paola Frare (UERJ), Daniela Bursztyn (SMS/RJ, UERJ), Wagner Erlange Monteiro (SMS/RN, UERJ)
  • Os efeitos discursivos do diagnóstico na clínica psicanalítica e na clínica do comportamento. Simone Mendonça Delgado (UERJ)
  • Estruturas clínicas e sujeito: o lugar do diagnóstico em psicanálise. Sonia Altoé e Magali Milene Silva (UERJ)
  • O que há de mal-entendido na estrutura? Lucia Mª de Freitas Perez (UERJ)

Coordenação: Maria Helena Martinho (UERJ)

MESA 2 – AUDITÓRIO do SPA – 10º ANDAR, SALA 10.030, BLOCO D

  • O discurso do capitalista e o fenômeno das toxicomanias. Julia Reis da Silva (UERJ)
  • A atualização do inconsciente num caso de neurose obsessiva. Maria Angélica Pisetta (UCP)
  • A estrutura topológica do objeto a e o fenômeno psicossomático. Joseane Garcia de Souza Moraes (UERJ)
  • Em que se pode reconhecer o estruturalismo em Lacan? Ou o problema da melancolia como estrutura clínica. Felipe Castelo Branco (UERJ)

Coordenação: Richard Couto (UERJ)

MESA 3 – SALA 10.028, BLOCO F, 10º ANDAR.

  • O destino da perversão na segunda clínica de Lacan. Lidia O.de Arraes Alencar (UFF)
  • Os dois usos do termo perversão na psicanálise. Sanne Vieira Barbosa Leite (Corpo Freudiano/RJ)
  • A castração que traumatiza é a mesma que apazigua? Caio Rodrigues de Mattos Filho (UFRJ)
  • A função da angústia na estruturação do sujeito pelo significante. Jorge Luís G. Santos (UFRJ)

Coordenação: Renata Mattos de Azevedo (UERJ)

11h às 12h30

MESA 4 – AUDITÓRIO 33 – 3º ANDAR

  • O corpo para além da estrutura. Mara Viana de Castro Sternick (UERJ)
  • Estrutura, real e sujeito na música pós-tonal: o acaso e a indeterminação na obra de John Cage. Renata Mattos de Azevedo (UERJ)
  • O tempo de uma escrita no corpo estruturado como uma linguagem. Luciana Brandão Carreira Del Nero (UERJ)
  • A noção de estrutura em psicanálise. Sonia Altoé e Maria Helena Martinho (UERJ)

Coordenação: Angélica Cantarella Tironi (UERJ)

MESA 5 – AUDITÓRIO DO SPA – 10º ANDAR, SALA 10.030, BLOCO D

  • Das substâncias ao nihil – retomando o conceito de sujeito. Raquel Horta Fialho do Amaral (PUC-RJ)
  • Da ciência da linguagem à ciência do sujeito. Jenniffer de Paula Oliveira Bello (UERJ)
  • A dimensão ética da estrutura em psicanálise. Marcos Eichler de Almeida Silva (UFRJ/UFF)

Coordenação: Elizabeth da Rocha Miranda (UERJ)

MESA 6 – SALA 10.028, BLOCO F, 10º ANDAR.

  • Notas sobre o objeto a na psicose. Mariana Abreu (CAPsi Maria Clara Machado)
  • Interpretação estrutural do delírio e posição subjetiva na alucinação verbal. Bianca Novaes (PUC-RJ), Eduardo Rotstein (UFRJ)
  • Um caso de suplência construída em torno do objeto voz. Dóris Rangel Diogo (PAM 13 de Maio/RJ)
  • Tentativa de suicídio. Denise S. Maciel Gondim (IseCENSA/Campos)

Coordenação: Ana Cristina Figueiredo (UFRJ, UERJ)

12h30 às 14h – Intervalo para Almoço

14h às 15h30 – TERCEIRA PLENÁRIA – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

  • Estrutura e entropia. Sonia Alberti (UERJ)
  • O impacto da topologia borromeana no estruturalismo lacaniano. Andréa Máris Campos Guerra (UFMG)
  • Estruturas e rupturas do objeto a: a utopia lacaniana. Edson Luiz André de Sousa ( UFRGS)
  • Condições de destrutibilidade do “desejo indestrutível” de Freud como fato de estrutura. Luciano Elia (UERJ)

Coordenação: Ana Beatriz Freire (UFRJ)

15h30 – Intervalo

16h – APRESENTAÇÃO DE PÔSTERES E DE BANNERS DE PUBLICAÇÕES

LANÇAMENTO DO LIVRO:

A sexualidade na aurora do século XXI. Sonia Alberti (org.). Rio de Janeiro: Cia. de Freud, CAPES, 2008.


29 DE OUTUBRO, 4ª feira

9h30 às 11h – QUARTA PLENÁRIA – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

  • Estrutura e feminino. Elisabeth da Rocha Miranda e Sonia Alberti (UERJ)
  • A escrita e o gozo feminino em "Água viva", de Clarice Lispector. Marcia Mello de Lima e Angela Batista (UERJ)
  • Os fundamentos freudianos do conceito de estrutura em Lacan. Laéria Fontenele (UFC)
  • Mais além dos limites da estrutura: o Nome-do-Pai como Sinthome. Gilsa F. Tarré de Oliveira (UERJ, UNESA)

Coordenação: Ademir Pacelli Ferreira (UERJ)

11h às 12h30 – QUINTA PLENÁRIA – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

  • 1968: o ano que abalou as estruturas. Zuenir Ventura (Escritor)
  • Entre estrutura e processo: a questão dos suicídios entre os Guarani-Kaiowa de MS. Fabio Mura (UFRJ)
  • A psicanálise lacaniana em 1968: discursos, semblantes e laços sociais. Tânia Coelho dos Santos (UFRJ)

Coordenação: Rita Maria Manso de Barros (UERJ, UNIRIO)

12h30 às 14h – Intervalo para Almoço

14h às 15h30 – SALAS SIMULTÂNEAS

MESA 7 – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

  • O que há de estruturalismo no ensino de Lacan? Pontos de convergência e de divergência. Angélica Cantarella Tironi e Richard Couto (UERJ)
  • O estatuto ético do real e sua função no advento do sujeito. Fernanda Costa-Moura e Marcos Eichler de Almeida Silva (UFRJ)
  • Da estrutura à causa. Cláudia Henschel de Lima. (UNI-IBMR)
  • A dimensão ética na metapsicologia. Antonio Dalbone e Eduardo Rotstein (UFRJ)

Coordenação: Marcia Mello de Lima (UERJ)

MESA 8 – AUDITÓRIO do SPA, 10º andar, sala 10.030, bloco D

  • Considerações sobre o real, o simbólico e o sujeito na ciência e na psicanálise. Hilana Erlich – (SMS/RJ)
  • Considerações sobre o método estruturalista de Lévi-Strauss. Adriana Dias de A. Bastos, Bruna Paranhos Americano e Luciana F. Piza (UERJ)
  • A determinação significante do sujeito do inconsciente. Joana Coelho Barbosa (UFRJ)
  • A estrutura em Merleau-Ponty. Rafael Ramos Gonçalves (Corpo Freudiano/RJ)

Coordenação: Sonia Altoé (UERJ)

MESA 9 – SALA 10.028, 10º ANDAR, BLOCO F

  • Salvador Dalí – Estrutura e a verdade no mito trágico do Angelus de Milet. Vanisa Maria da Gama Moret Santos (UERJ)
  • A estrutura textual de Dom Casmurro e Hamlet. Geraldo Martins (Centro Universitário Newton Paiva/BH)
  • A forma erotomaníaca de amar e a erotomania. Valéria Rezende (UERJ)
  • Revisitando fundamentos: a estrutura como defesa. Denise Maurano (UNIRIO)

Coordenação: Doris Luz Rinaldi (UERJ)

15h30 – Intervalo

16h – CONFERÊNCIA – AUDITÓRIO 33, 3º ANDAR

O esquematismo da estrutura. René Lew (Dimensions de la Psychanalyse).

Coordenação: Luciano Elia (UERJ)

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Entrevista com Miller


Encontrei um entrevista com Jacques-Alain Miller num blog muito legal chamado Significantes, que vale a pena dar uma conferida. (No blog e na entrevista)
A materia é da Psychologies Magazine de outubro 2008 (n° 278)

Psychologies: A psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?

Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.

P.: Então, o que é amar verdadeiramente?

J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão "Quem sou eu?".

P.: Por que alguns sabem amar e outros não?

J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers - se posso dizer - homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.

P.: "Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso...

J-A Miller: Acertou! "Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem". O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua "castração", como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.

P.: Amar seria mais difícil para os homens?

J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a "degradação da vida amorosa" no homem: a cisão do amor e do desejo sexual.

P.: E nas mulheres?

J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem...

P.: Por que "cada vez mais"?

J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman. Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.

P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?

J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.

P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela?

J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher!

P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras!

J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina.

P.: O senhor atribui algum papel às fantasias?

J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.

P.: E a fantasia masculina?

J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe, a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.

P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes!

J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos.

P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade?

J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante”. Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles.

P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas...

J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.

Entrevista realizada por Hanna Waar
Tradução de Maria do Carmo Dias Batista
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Conferência

Conferência: "A condição sensível"
O IMS da UERJ e o EBEP convidam para a Conferência da Profª Claudine Haroche, a ser realizada no dia 22 de outubro às 9 horas na Medicina Social da UERJ, sala 7.001.
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A Profª Claudine Haroche é antropóloga, pesquisadora do CNRS e professora da Écolle des Hautes Études en Sciences Sociales
Mediação: Joel Birman
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Instituto de Medicina Social - UERJ
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