Atualmente a alimentação se tornou um fator desencadeante de vários sintomas. Ou se come demais, ou se come de menos, ou se come com culpa. Sentimentos, sensações e desejos temperam nossos pratos, mostrando-nos que nos alimentamos muito mais do que apenas de carboidratos e proteínas, mas nos alimentamos também de lembranças, sonhos, imaginários e cultura. Portanto, o comer não está somente ligado à biologia, à satisfazer necessidades fisiológicas, mas também está associado ao sujeito do inconsciente, já que esta alimentação vem impregnada de significados simbólicos.
É justamente na alimentação que há o encontro desse homem biológico, que busca saciar a fome, com o sujeito, que busca saciar muito mais.
Mudanças no cotidiano alimentar dos indivíduos, o crescimento alarmante dos transtornos do comportamento alimentar, como a bulimia, a anorexia ou a compulsão, nos indicam algo a respeito do significado desse comer. Ou pelo menos nos faz questionar a respeito desse significado.
Pesquisando os escritos Freudianos, podemos perceber desde o início uma articulação entre o alimentar e o sexual. Desde as primeiras experiências com o seio materno, onde saciedade se mistura com prazer. A boca tem uma dupla função: com a ingestão do alimento supre a necessidade, mas propicia satisfação, colocando o desejo em jogo. Em “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), Freud diz que na fase oral “A atividade sexual ainda não se separou da nutrição, nem tampouco se diferenciaram correntes opostas em seu interior. O objeto de uma atividade é também o da outra, e o alvo sexual consiste na incorporação do objeto – modelo do que mais tarde irá desempenhar, sob a forma de identificação, um papel psíquico tão importante”.
De acordo com Justos, “A fase oral da sexualidade deixa marcas permanentes nos usos da linguagem. O oral é o emblema regressivo do sexual. Além da separação deste objeto parcial, o seio da mãe, que é também seu primeiro alimento, abre a possibilidade de uma alimentação variada e sólida, que permita o filho dizer o que quer... comer”
Essa questão regressiva nas desordens alimentares contemporâneas fica evidente na clínica.
É uma clínica onde muito se fala de peso, calorias, gorduras e medidas. Os pacientes sempre sabem tudo sobre técnicas para perder peso, se exercitar mais e todos os cuidados com o corpo. É um discurso reduzido ao corpo. Obesos, compulsivos, bulímicos e anoréxicos, todos falam muito sobre o corpo num discurso vazio, onde os desejos são ignorados e o que resta nessa ausência de discurso é só o corpo, reduzido a exibir um quadro que só nos remete a uma “não simbolização”.
A dificuldade de se envolver com questões simbólicas faz o sujeito se manter ancorado nos sintomas corporais. E a psicanálise vai trabalhar no objetivo de uma passagem, onde o sintoma apresentado no corpo poderá aparecer pela via da palavra, acessando assim o desejo inconsciente. Indo mais além da imagem que o corpo transparece.
Não se trata do alimento. Trata-se de uma outra coisa que ocupa o lugar do comer. Que está associado ao significado do alimento desde os primórdios da alimentação. Desde as relações primitivas entre mãe/bebê, mediadas pela alimentação.
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.........................................................................Fernanda Pimentel
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