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22 de abril de 2009

A responsabilidade da psicanálise com os “novos sintomas” (parte 1 de 2)

Artigo interessante na Latusa - Revista da Escola Brasileira de Psicanálise.
Confira!


"Como falar das questões relativas às mudanças subjetivas contemporâneas, às novas produções sintomáticas do sujeito, aos novos obstáculos para o desejo de saber, sem tocar no núcleo resistente às mudanças na cultura patriarcal? Como falar dos resíduos dessa cultura no novo papel que o homem precisará ocupar inevitavelmente? Como não tocar no tema delicado da liberação sexual e profissional da mulher e no novo papel que ela passou a ocupar na família? Como não considerar a desagregação familiar a partir, principalmente, dos novos tempos de globalização e capitalismo?

Ao não se tocar nesses temas tão radicais e essenciais, evita-se o mal-estar decorrente da discussão e exposição dessas causas tão importantes para as mudanças ocorridas na vida afetiva do sujeito na cultura. A cultura não quersaber das causas?

Neste trabalho não buscaremos soluções, mas reflexões advindas de leituras já realizadas sobre os efeitos provocados por essas mudanças, na perspectiva da produção de novos sintomas do sujeito e da cultura, assim como da impossibilidade de se obter uma resposta universalizante. “Não estamos mais na época da díade ‘problemas-soluções’. Estamos mais às voltas com um real em jogo na formação do psicanalista e na transmissão de seu discurso na civilização”.

Na medida em que o mal-estar é parte da cultura e da sociedade contemporâneas, as inquietações e os problemas psicológicos humanos adquirem um aspecto histórico e, por isso, se atualizam continuamente, manifestando-se sob a forma de novos sintomas, como é o caso da anorexia, da bulimia, da toxicomania, da depressão, do pânico, do déficit de aprendizagem, entre outros . Assim, a psicanálise se depara cada vez mais com sintomas formados para além do recalque. Consideramos aqui, principalmente, a toxicomania.

.............................................Fotografia D. Lachapelle

Os novos sintomas e o ideal de felicidade
O fenômeno da toxicomania nos dias atuais pode ser visto como “o efeito da oferta de mercado e o efeito de um avanço do saber científico-tecnológico (produção industrial da substância droga)”. Uma clínica que possa lidar com esse fenômeno em vias de sintomatizá-lo precisa considerar o que advém para além do recalque, mais a passagem ao ato do que o retorno do recalcado.

A pergunta que se impõe à psicanálise, portanto, é como lidar, no contexto atual, com os novos sintomas e como ser eficiente com efeitos terapêuticos na clínica contemporânea. A resposta pela via freudiana é que “a vida, tal como a encontramos, é árdua demais”, ela nos proporciona “sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis”, e para suportá-la “não podemos dispensar medidas paliativas” ou “construções auxiliares”.

Cada civilização oferece modelos padronizados e fixos para os sujeitos atenderem suas reivindicações pulsionais, sendo assim, a cultura define o perfil de gozos toleráveis socialmente. Hoje, a cultura declaradamente capitalista determina a submissão do sujeito ao imperativo do consumo. A globalização do consumo impôs a produção em massa de objetos, que são formas de gozo, próteses que se tornaram necessárias para o sujeito civilizado. Daí pode-se inferir que as novas formas sintomáticas da toxicomania, da anorexia, da bulimia, da adição ao computador, da depressão são, enfim, expressões atuais do mal-estar na cultura.

Nessa ótica, todos são consumidores e ao mesmo tempo objetos de consumo.O uso de medicamentos largamente difundido, principalmente de antidepressivos e estimulantes sexuais, mascara cada vez mais as questões da subjetividade. O ideal de felicidade que a droga instaura traz consigo consequências graves em curto prazo: suicídios e violência crescentes no lugar da investigação das causas. O medicamento é econômico para os planos de saúde e desculpabilizante para a família: mascara as causas, liberando o sujeito e a família da angústia e da responsabilidade, mascara os sintomas aparentes, proporcionando um eterno sorriso. O sujeito descarrega sua agressividade – antes dirigida ao eu pelo Outro tirânico ou por sua ausência – no gozo inconsciente da irresponsabilidade e na passagem direta ao ato. Assim, ele obedece ao imperativo: goza!6 Atribui a culpa que o deprime a um bode expiatório fora da constelação familiar: a biologia explica tudo. Cabe dizer que não se trata de o medicamento ser desnecessário: é evidente que ele salva a vida de sujeitos vítimas da depressão, que sem eles não resistiriam a um tratamento psicológico que não tem efeito tão rápido."
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.........................................................................Continua...

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