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13 de novembro de 2009

“Remédios não substituem psicanálise”


Entrevista com Marco Antônio Coutinho Jorge, psicanalista.

“As ondas o abalam mas não o afundam.” A frase estampada no brasão da cidade de Paris serviu, já em 1914, de epígrafe ao ensaio “A História do Movimento Psi­­ca­­nalítico”, escrito por Sigmund Freud.

Falsos obituários anunciando a morte da psicanálise eram contados às dúzias quando o austríaco ainda vivia. Não seria de se estranhar que os ataques à disciplina que ele fundou se intensificassem após sua morte. Mas também seus defensores resistem, convictos. Uma das principais, atualmente, é a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, de quem o brasileiro Marco Antônio Coutinho Jorge reuniu ensaios e entrevistas na coletânea Em Defesa da Psicanálise, publicada pela Zahar.

Diretor do Corpo Freudiano no Rio de Janeiro, Coutinho Jorge comenta, nesta entrevista, os ataques sofridos pela psicanálise por parte dos que se negam a aceitar o inconsciente. E, do outro lado, pelos adeptos da farmacologia indiscriminada, que evitaria a elaboração dos sentimentos e afetos. Fiel a Lacan, o psicanalista carioca sai em defesa de Freud.

Qual a sua ligação com a autora de Em Defesa da Psicanálise, Elisabeth Roudinesco? Como chegaram à ideia desta coletânea?
Dirijo a coleção Transmissão da Psicanálise, da editora Zahar, que já publicou um grande número de obras dela. Temos há anos contato pessoal e editorial. Esse livro nasceu de uma ideia que tive de reunir alguns de seus artigos, extremamente interessantes, que não haviam sido publicados no Brasil.

Por que a psicanálise precisa ser defendida hoje, no Brasil?
A psicanálise foi alvo de ataques desde o princípio. Quando Freud ouvia que a psicanálise acabaria, ele atribuía esses comentários mais ao desejo de que ela acabasse do que a qualquer outra coisa. Há dois tipos de ataques. Um diz respeito à própria essência da psicanálise. O fato de que nós, seres conscientes e racionais, venhamos a perceber que grande parte do nosso psiquismo é inconsciente não é facilmente aceito pelo ser humano, em seu orgulho e narcisismo. Freud comparava a consciência à ponta do iceberg (que é o inconsciente). É tênue, precária. Isso produz naturalmente uma resistência à psicanálise.

Qual seria a outra frente de ataque?
Um ataque muito específico do nosso momento contemporâneo é que temos, dentro da psiquiatria, uma vertente quase exclusivamente biológica, voltada para a psicofarmacologia, que de alguma forma recusa toda a contribuição da psicanálise.

Os remédios têm substituído a análise?
Há uma tendência nesse sentido. Mas os remédios não conseguem tomar o lugar da psicanálise. O que a gente critica é o uso indiscriminado e abusivo das substâncias psicotrópicas. A tristeza reativa a um evento ocorrido, natural, com frequência é vista pelo médico psiquiatra e até pelo psicólogo como sendo um sentimento que precisa ser eliminado, tratado com medicação e superado rapidamente. Enquanto para a psicanálise, sentimentos e afetos são importantes e não devem ser eliminados rapidamente, mas elaborados. Claro que há casos de depressão grave psicótica, como a melancolia, em que a medicação é absolutamente necessária. Mas veja a quantidade de antidepressivos que existem hoje, estamos na terceira ou quarta geração depois do Prozac.

As terapias cognitivo-comportamentais (TCC) também estão tomando o espaço da psicanálise?
No campo da psicologia, as terapias cognitivo-comportamentais são outra forma de oposição muito franca e até violenta em relação à psicanálise. Existe uma influência do pensamento médico americano, mais ou menos hegemônico no mundo, que caminhou para essa via organicista, biológica. Hoje existem, no mundo, mais de 700 formas de psicoterapia (que Roudinesco comenta no livro O Paciente, o Terapeuta e o Estado).

O senhor diria que é necessário, atualmente, sair em defesa de Freud?
Acho que sim. A obra do Freud é extremamente consistente, insuperável. Faço parte da escola lacaniana. O grande mérito de Lacan foi ter trazido novamente Freud para o primeiro plano, porque na década de 50 havia certa tendência na psicanálise de deixar Freud mais de lado e adotar teses de analistas pós-freudianos, norte-americanos sobretudo. Lacan fez um retorno a Freud que revigorou a psicanálise. Os analistas voltaram a abordar o texto freudiano na sua força e intensidade.
Toda psicanálise é tributária da obra de Freud. Analistas são todos discípulos de Freud. Alguns enfatizam mais uma parte ou outra da obra dele, porque é polifônica, tem diversas direções e assuntos. Freud era um homem de erudição ímpar – assim como Lacan. A obra dele não pode ser ultrapassada. Eu não jogaria nada fora. Mesmo o que possa ser considerado hoje um erro, é um erro sábio. O homem, depois de Freud, tem condições para se conhecer mais, a si próprio e à cultura humana em que vive.

Hoje, qual é a escola pós-freudiana de maior popularidade?
A escola de orientação lacaniana.

E ela não recusa Freud?
Ao contrário, o lacaniano é hiperfreudiano. Mais freudiano que os freudianos. Os seminários que Lacan deu por 30 anos foram todos feitos comentando Freud. O analista que segue Lacan no fundo segue Freud. No seminário de 1980, em Caracas, Lacan disse a seus discípulos que cabia a eles serem lacanianos: “Quanto a mim (Lacan afirmou), sou freudiano.”

Os conceitos de inconsciente, sexualidade infantil, pulsões e perversões, estabelecidos por Freud, permanecem?
Permanecem. Pulsão, por exemplo, é extremamente im­­portante, porque permite uma compreensão da sexualidade humana.

Li no Significantes

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