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21 de janeiro de 2010

Geração Zapping

Geração Zapping: tá ligado?

Crianças e jovens estão descobrindo novas maneiras de entender o mundo e se relacionar com base em avanços tecnológicos e transformações culturais.

Televisão, telefone, fone de ouvido, computador, MP3, Orkut, Twitter, Facebook, MSN, SMS. A conexão é on-line e os estímulos vêm de toda parte. No monitor do laptop ou no visor do celular incontáveis telas são abertas, reduzidas e fechadas em segundos. Surge uma nova linguagem, na qual a grafia das palavras é adaptada, simplificada, e prevalecem abreviações. A informação chega descontextualizada e truncada, inaugurando um novo jeito de compreender o mundo – e se relacionar, na horizontalidade do conhecimento – e caracterizando a chamada geração zapping (expressão de origem inglesa que se refere ao ato de mudar constantemente de canal).

Surge assim um novo jeito de pensar, graças à síntese de vários dados coletados de forma imediata e simultânea. O zapping tipifica justamente essa relação intensa e aparentemente inesgotável. Fragmentados os corpos, a informação e as relações, os jovens ficam à mercê dos estímulos, sem tempo para a introspecção e assimilação do bombardeio de conteúdos. O apelo ao mundo externo é intenso e vem de todos os lados.

Enquanto para a maioria daqueles que já passaram dos 30 anos a simultaneidade (tudo ligado ao mesmo tempo) é vivida como estressante, adolescentes parecem não se incomodar nem um pouco em receber vários estímulos concomitantes. Não por acaso, a expressão “tá ligado?” é bastante usada por aqueles que não chegaram a conhecer o mundo antes do computador.

São visíveis sua rapidez e destreza em localizar e selecionar informações, bem como esta agilidade em zapear o mundo, coletando os mais diversos dados, nas diferentes fontes.

O som permanece ligado enquanto leem, telefonam, trocam mensagens pelo computador, assistem à televisão. E, para desespero de muitos pais, até quando estudam. Por mais difícil que seja para alguns adultos compreenderem, o fato é que os jovens estabelecem uma forma singular de vínculo com o exterior: suas referências são de curta duração também pela necessidade de se diferenciar da maioria. Assim, modismos e cultos a ídolos deixam de ser parte do ideário de uma geração e passam a ser apenas objetos de diversão pura e simples. A expressão ídolo de uma geração pode não fazer mais sentido. A ideia do ídolo como símbolo de uma forma de pensar e viver ou modelo de identificação parece mais ligada a décadas anteriores. Assim como outros aspectos do cotidiano, o entretenimento é descartável e, como tal, passa rápido.

O rapaz que nas férias passadas era surfista poderá adotar o visual emo no próximo fim de semana, alterando rapidamente seus hábitos, pôsteres porventura afixados na parede, estilos musicais preferidos, locais que frequenta etc. Nesse momento em que a transitoriedade impera, não há estilos definitivos.

O mesmo ocorre com relação às drogas: entre a geração dos anos 60 e 70, por exemplo, o uso frequentemente estava associado à contestação e aos ideais de liberdade de expressão.

Atualmente, é mais um objeto de consumo, voltado ao prazer mais pragmático e objetivo. O psicanalista americano Christopher Lasch reconhece este momento como resultante de uma espécie de cultura de consumo, que acaba por debilitar a própria capacidade dos indivíduos de discriminar fantasia de realidade, já que, como em um caleidoscópio, surgem a todo momento novidades que despertam novas necessidades.

Todo indivíduo nesta sociedade parece ser elo de múltiplas redes de comunicação, informação, interpretação, divertimento, aflição e evasão. Os movimentos e centros de emissão estão dispersos, desterritorializados pelo mundo afora. Principalmente para jovens das classes mais baixas, com menos acesso às evoluções tecnológicas, a televisão oferece scripts sobre os papéis sociais, gênero, gratificação social, sexual, lazer, resolução de conflitos e valores. Publicado nos Estados Unidos, o relatório Growing up in the prime time: analyses of adolescent girls on the television examinou mais de 200 episódios de programas para adolescentes e constatou que a aparência deles é considerada mais importante que sua inteligência; meninas cultas que gostam de estudar são exibidas como socialmente desajustadas; elas são mais passivas que seus colegas do sexo masculino. E frequentemente o jovem é retratado como obcecado por compras, pela própria imagem, excessivamente voltado para a vida amorosa e pouco interessado em conversas sobre questões existenciais, acadêmicas ou mesmo profissionais. A falta de senso crítico, aliada à ideologia do consumo, tem gerado também uma tendência à banalização da posse material, uma vez que aparelhos tecnológicos acabam assimilados como móveis e utensílios da casa, e passa a importar pouco ao jovem onde as informações são obtidas, contanto que sejam acessíveis.

A rapidez e o fracionamento da informação são incorporados ao cotidiano dessa geração; o mergulho nessa realidade não se dá no meio, mas entre os meios. Valoriza-se a narrativa curta com significado quase imediato. Há uma aceleração temporal conciliada à fragmentação espacial. A televisão é considerada ao mesmo tempo invisível e onipresente, ainda que apareça como coadjuvante nos bares, restaurantes, no intervalo da escola e em vários ambientes da casa. É o jovem que capta dados nas incursões aos diferentes campos de informação quem vai construir um significado inerente ao fluxo dessas informações.


ESCOLA E FAMÍLIA
Dentro de um novo contexto social, instaura-se também um modelo de juventude. Relações familiares com nova conformação trazem outros referenciais ao adolescente. Os modelos e o conjunto do saber não advêm mais dos pais – pelo menos não necessariamente. A figura paterna está hoje mais diluída. O sociólogo francês Eugène Enriquez, ligado à psicossociologia e à sociologia clínica, considera que esse enfraquecimento está associado à incapacidade paterna de se situar no lugar da lei e de, consequentemente, desempenhar seu papel de interventor e polo de identificação. A criança e o jovem aprendem com os meios de comunicação de massa, com seu grupo de companheiros e com sua experiência pessoal. Também a escola tem deixado de exercer o papel de grande educadora; se o capitalismo valoriza uma relação clientelista, visando o lucro e estimulando o consumo, os alunos das escolas e universidades particulares são, em sua maioria, também atendidos sob essa perspectiva.

A proposta de satisfação imediata estende-se na relação família-escola, e a livre concorrência do mercado, direta ou indiretamente, autoriza as instituições a oferecer aos pais os instrumentos para esse nível de gratificação. É possível observar, em alguns casos, a tendência de um modus operandi empresarial por parte, inclusive, de algumas instituições educacionais, voltadas primordialmente ao lucro e aos investimentos que garantam o menor número possível de evasão dos alunos. Em consonância com as ideias do psicanalista Peter Blos, esta queda gradual e radical da convivência familiar – com reflexos na educação, nutrição, hábitos e preceitos morais – leva os pais a acreditar, cada vez mais, nas recomendações públicas que a mídia faz entrar nos lares. A tradição fica, então, substituída pelos especialistas que oferecem respostas para os problemas cotidianos. Isso favorece ainda mais o enfraquecimento da autoridade das figuras parentais, que muitas vezes abdicam de suas próprias convicções em favor de escolhas feitas por especialistas.

Na clínica de adolescentes, observa-se claramente a dificuldade dos pais em assumir uma posição de autoridade. A questão vem, muitas vezes, justificada por compromissos profissionais e o consequente sentimento de culpa em decorrência do afastamento do convívio diário. Esses fatores, aliados ao forte acesso aos meios de comunicação, especialmente a TV e a internet, têm levado algumas pesquisas a entender o comportamento dos jovens com base nesses novos referenciais.

A força e o poder da mídia permitem observá-la com características conceitualmente institucionais. Para Nicola Abbagnanno, autor do Dicionário de filosofia (2000), a instituição pode ser entendida como um conjunto de normas que regulam a ação social. Autores como o sociólogo G. Lapassande ressaltam que as instituições estão inseridas em um sistema social, vinculadas ao contexto político. A relação entre ideologia e instituição também se faz presente, considerando que todas as mediações institucionais atravessam a sociedade e determinam suas opções, preferências, rejeições e aspirações. O controle ideológico provoca o que o autor chama de desconhecimento social, fruto de mecanismos que interferem na educação, informação e cultura.

O vazio e a falta de perspectiva resistem à sociedade espetacular, pregadora da beleza e da felicidade. Elaborar, pensar e criticar são atos humanos que exigem uma postura ativa diante das experiências. Manter-se constantemente no papel de espectador remete à alienação e à passividade. Não é possível ignorar que a indústria do entretenimento, aliada aos valores do capitalismo, transforma todas as informações em show e, assim, realidade e fantasia se confundem. O educador americano Neil Postman vê o excesso de informação levando à impossibilidade de pensar: “Por pensar, entendo ter tempo e motivação para perguntar-me: Qual o significado deste acontecimento? Qual é sua história? Quais são as razões disso? Como isso se encaixa no que já sei do mundo?”, questiona.

O jovem hoje, por outro lado, pode estar desenvolvendo um novo modo de pensar, voltando à rapidez da capacidade de detectar a informação e sintetizá-la. Mas, assim como as informações zapeadas, sua mente, seu corpo e suas relações podem estar fragmentados, dificultando uma percepção mais apurada e cuidadosa, seja de seus sentimentos, seja das experiências que o mundo tão intensamente lhe oferece


Artigo da Mente&Cérebro

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito deste artigo. Sou professora e tenho dois filhos entrando na adolescencia. Procuro estar sempre atualizada sobre essas questões que envolvem a adolescencia para poder compreende-los.
Katia