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25 de novembro de 2008

O peso da feminilidade (parte 1 de 4)

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O que têm em comum a arte, a psicanálise e a feminilidade? Que as três andem às voltas com a falta – até aí, nada de novo. Mais vale dizer que a partir da falta, ou do vazio, ou de como quer que se nomeie isto que não há, tanto a psicanálise quanto a arte são expressões do inacabado – o que faz com que só existam em estado de constante mutação. A feminilidade, não como aquilo que é próprio das mulheres mas como aquilo que sabe gozar um pouco além do falo, nem sempre se põe mutante - mas tem certamente este potencial. Uma vez que não gira (apenas) em torno do falo, pode arriscar movimentos centrífugos em direção a não sei onde. Uma vez que não se constitui a partir de uma obsessão em evitar a castração, a feminilidade é um modo de gozar que pode arriscar um pouco mais na direção de uma desmesura, ou seja, que aceita correr o risco de esbarrar na angústia, ou mesmos de ir um pouco além. Daí que, é claro, todo artista, seja homem ou mulher, acaba (ou começa) por saber algo a respeito da tal feminilidade.
Na obra de arte autêntica o artista inventa sempre. Uma vez terminada, a obra torna-se outra coisa. Pois, de uma forma ou de outra, a arte é sempre um começo.
Quem disse isto não foi uma mulher: foi Picasso. Um que agüentava melhor do que ninguém o desafio de começar do nada, a partir da sucata, do lixo, do papel rasgado, e produzir – sobretudo em sua escultura – não o monumental mas o efêmero, não o objeto pronto e acabado que simula a Coisa mas uma coisa, despretensiosa - assim mesmo, com letras minúsculas. Dar forma ao que não existia: criar uma coisa capaz de revelar, em sua precariedade proposital, o próprio truque do artista que transforma os restos e dejetos da civilização em idéia, em forma nova; que transforma o lixo em graça, em vida, em movimento. Nas esculturas, e sobretudo nas colagens de Picasso, a obra é ao mesmo tempo a coisa inventada e a brincadeira que a originou. Uma mulher feita de telha, pedaços de cano, restos de madeira e um galho seco, certamente não se pretende forma eterna e realizada. Mas realiza a eternização do gesto livre que lhe deu origem.

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..............................................................Pablo Picasso
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Picasso, que amava o bronze pela unidade que aquele metal é capaz de dar às formas mais heteróclitas, alertou entretanto para o perigo desta uniformidade, defendendo o caráter gauche das esculturas de sucata que representam uma parte importante de seu trabalho: “se nós só enxergássemos a cabeça de touro, e não um selim de bicicleta e o guidon que a compõem, esta escultura perderia o interesse" . Mas acrescenta: nada impede que algum dia alguém venha a recuperar o uso do guidon e do selim de bicicleta, desmontando a cabeça de touro e reescrevendo o sentido da obra no ato do desmanche.
Talvez esta definição da incorporação do truque à obra restrinja-se à arte moderna, em que freqüentemente o gesto que transforma a matéria em objeto está presente e revelado na própria obra, e não oculto pelo esforço de se produzir uma mímesis perfeita da natureza. Na arte moderna o material escolhido, por exemplo, é tão expressivo quanto a obra pronta, não por sua nobreza ou durabilidade, mas por conter, ele próprio, uma história e um conceito; por impor sua presença concreta e perturbadora à obra. A utilização de ossos em Cildo Meirelles, de sangue em Damien Hirsch, de litros de óleo cru em Nuno Ramos, incorporando os cheiros "inconvenientes" da matéria orgânica à obra, remetem necessariamente à finitude e à transitoriedade de tudo, até mesmo do trabalho do artista. O qual ainda assim, e contraditoriamente, visa à eternidade.
Voltemos à feminilidade. Não por acaso a modernidade, período que afirmou o caráter inacabado da obra de arte e incorporou o vazio à estrutura do objeto, à composição do poema, à imagem abstrata (freqüentemente vazia de significação), foi também o período em que as mulheres fizeram sua passagem da reclusão doméstica para a esfera pública. Pode ser uma coincidência, mas também pode não ser. É na modernidade, como escrevem os organizadores deste livro, que o véu que encobre a falta nas mulheres e metaforiza a feminilidade, torna-se transparente - “no ocidente, o véu é transparente”.
A modernidade é um fenômeno ocidental. É na modernidade que as mulheres começam a tornar pública sua experiência através da escrita possibilitando que, pela primeira vez na história, o perfil de uma certa “identidade” (aspas necessárias) feminina se esboçasse. Isto porque a emergência de textos literários ou confessionais, assim como a exposição das primeiras imagens pictóricas, de autoria de mulheres, foi criando, aos poucos, um frágil campo identificatório para milhares de outras mulheres, como alternativa à identificação com o ideal de mulher que se oferecia e se delineava através do discurso dos homens. Algo como um campo que possibilitasse a passagem do Eu Ideal - a feminilidade da fantasia masculina - aos ideais do eu - os traços de identificação com as experiências das primeiras mulheres escritoras.
Muito se discute, hoje, sobre as características de uma escrita feminina. Mas as primeiras grandes escritoras dos séculos XVIII e XIX, muitas das quais protegiam sua “dignidade” detrás de pseudônimos masculinos, insistiam em afirmar que “a mente não tem sexo”.
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........................................................Continua...

24 de novembro de 2008

Simpósio

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Aconteceu, nesse último sábado, o I SIMPÓSIO DE PSICANÁLISE DE NITERÓI, e foi um secesso!

Veja algumas fotos do evento:
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22 de novembro de 2008

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"Freud não foi somente o sujeito suposto saber. Ele sabia, e nos deu esse saber em termos que se podem dizer indestrutiveis, uma vez que, depois que foram emitidos, suportam uma interrogação que, até o presente, jamais foi esgotada."
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..........................................................................J. Lacan
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21 de novembro de 2008

JORNADA

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Mais eventos na CLIPP... A Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisa em Psicanálise oferece a XI Jornada, com o título A Psicose Ordinária.
Confira!
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19 de novembro de 2008

Cinema

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Assisti recentemente um drama mexicano do diretor Simón Bross chamado Maus Hábitos (Malos Hábitos, 2007) (não confundir com o filme homônimo de Almodovar) que eu achei incrível.
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A histótia gira em dois eixos: de um lado a noviça interpretada pela atriz Ximena Ayala que a partir de uma cena vivida em sua infância acredita que seu jejum e sua fé podem livrá-la de seus pecados. A relação dessa personagem com a comida nos remete às histórias de muitas santas-anoréxicas e marca a relação do alimento com religião e do jejum com a purificação.
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Do outro lado está a mãe anoréxica, interpretada por Elena de Haro, que com seus rituais e exercícios físicos exagerados destroem sua família, suas relações, seu casamento e principalmente sua filha, interpretada pela atriz Elisa Vicedo. A filha, uma menina acima do peso, tem a vida invadida pela mãe, obcecada com a idéia de fazê-la perder muitos kilos para sua primeira comunhão (... citando mais uma vez a questão religiosa).
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A trama fica ainda mais intensa quando retrata o marido e sua amante, uma jovem cheia de curvas, que se entregam ao pecado da gula, do adultério, como os únicos personagens que experimentam o prazer sem culpa e punições.
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Com cenas propositalmente escuras e angustiantes, o filme, que envolve questões morais e existenciais, causa um certo incômodo à quem assiste ao retratar histórias que se cruzam no que diz respeito não apenas a distúrbios alimentares, mas principalmente ao excesso e ao vazio, ao prazer e à culpa e ao lugar que a comida a culpa na vida de cada um.
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Achei ótimo o subtítulo do filme: Uma pessoa só pára de comer quando está muito cheia... Ou muito vazia.
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Veja o trailler do filme aqui.
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