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27 de abril de 2009

A responsabilidade da psicanálise com os “novos sintomas” (parte 2 de 2)

"O novo paradigma do gozo na contemporaneidade
Falar sobre os novos sintomas é falar também do lugar que o gozo ocupa na produção do sujeito contemporâneo, quando se dá o declínio da autoridade e do Nome-do-Pai, para a referência aos nomes do pai ou a “prescindir do pai para servir-se dele”: Há uma mudança de paradigma do sujeito em relação a seu modo de gozo. Não se considera mais, como na constituição do sujeito clássico, um Outro regulador do gozo: a substituição do significante materno pelo significante referido como Nome-do-Pai condensador do gozo, que exerce a função simbólica e a garantia da causa do desejo do sujeito em sua singularidade. O paradigma do sujeito contemporâneo é o “Outro não existe”.
Partindo desse pressuposto, a psicanálise de orientação lacaniana busca servirse do Nome-do-Pai para dar conta do excesso de gozo que, sem o UM regulador, resulta em fixações sintomáticas grupais por meio de identificações horizontais. Essa forma de identificação, não ao UM verticalmente, mas ao grupo semelhante, aparentemente, pacifica o sujeito, liberando-o da responsabilidade com a “solução” medicamentosa. Quando a autoridade declina e não há mais a possibilidade do UM (ideal) é possível resgatar a responsabilidade do sujeito? No caso do ideal a um líder, a garantia do desejo e a delimitação do gozo se dão pela transmissão da tradição patriarcal. E quando não há mais essa garantia?

Os novos sintomas e os grupos identitários
Lacan, em “Nota sobre a criança”8, refere-se às marcas primeiras – míticas – de recobrimento do desamparo do homem frente à natureza, por meio de um ser protetor divino – o Pai. Também aos efeitos que surgem quando esse paradigma é alterado pelas mudanças culturais e familiares com suas funções de recobrimento, pois resta sempre um resíduo. Quando não se leva em conta a presença desse resíduo, a presença, cada vez maior, na cultura de grupos identitários em comunidades ou na internet e o aumento da segregação confirmam essas “profecias” .
Da observação e da pesquisa sobre a composição dos grupos identitários surgem direções novas para se pensar as dificuldades encontradas pelo psicanalista em seu trabalho clínico. Cristina Duba9 assinala a mudança de paradigma do grupo vertical composto por UM líder (com a regulação ideal do gozo pelo Pai) para a composição identificatória e horizontal (contratos parciais, comunitários) que não atende às reivindicações singulares. Ela sublinha que Lacan propõe, a partir da experiência inglesa de Bion em época de guerra, a identificação horizontalizante sem o líder e com a possibilidade de formação de grupo por meio da atribuição de uma tarefa comum ao grupo,conforme o modelo de pequenos grupos de cartel. Peguntamos então: poderia o grupo assim formado funcionar como um modo de fazer o sujeito responsabilizar-se por seu gozo, por seu inimigo íntimo, por seu própio estranho?
Assim, com relação às identificações sintomáticas identitárias, horizontais, a psicanálise opera por intermédio da busca de construção de um sintoma singular, justamente ali onde a diferença foi anulada. Em outras palavras, a psicanálise trabalha no sentido de responsabilizar o sujeito por sua diferença, por meio da afirmação da sua singularidade. O trabalho com pequenos grupos na educação escolar (onde o trabalho em laboratórios do CIEN é exemplar), ou no atendimento ambulatorial e hospitalar, nos casos de toxicomanias, pode favorecer a singularização dos sujeitos.

Para concluir: servir-se do Nome-do-Pai
Em A sociedade do sintoma, Éric Laurent sustenta que o analista deve acreditar no sintoma: “encontrar a forma de endereçar-se à angústia do sujeito é fazê-lo entender que os sintomas inéditos em nossa civilização são legíveis”. Ele afirma que vivemos em uma época na qual o próprio Nome-do-Pai é um sintoma e que o analista deve esforçar-se para lê-lo. Isso permitiria uma reconstrução singular da subjetividade, fundamentada na delimitação do gozo e responsabilização pelo sujeito pela identificação do sintoma, ou pela extração de um significante que fure o gozo do sujeito e o faça reinventar sua história.
No tratamento dos novos sintomas, o analista se situa a partir do princípio “servir-se do Pai”. Isso permite que o sujeito se relacione com o não-sabido, com o estranho, com o gozo excessivo do Outro ou com sua inexistência, facilitando a divisão subjetiva. A psicanálise busca, assim, levar o sujeito a descobrir novos modos e possibilidades, não só de gozo, mas de convivência
humana."

Claudia Domingues
Marilene Cambeiro

Fonte: Latusa - Revista da Escola Brasileira de Psicanálise.

Veja aqui a primeira parte do artigo.

26 de abril de 2009

"...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda."

C. Lispector

23 de abril de 2009

Arte e Psicanálise

Recebi a divulgação deste lançamento hoje... Quem estiver em São Paulo não deve perder!

A estreita e antiga relação entre a Arte e a Psicanálise é o tema central da próxima edição da revista Ciência & Cultura, uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que será lançada hoje, das 20h às 22:30h, no Centro Universitário Mariantonia, USP

Com apresentação da psicanalista Jassanan Amoroso Dias Pastore, o Núcleo Temático deste número – espaço editorial reservado ao aprofundamento de determinado assunto –, reúne dez artigos de especialistas em arte e psicanálise que propõem novos olhares e análises sobre o tema, seja pelo viés da literatura, ao abordar conexões com os escritores Mário de Andrade, Guimarães Rosa, seja do ponto de vista da arte plástica, ao levantar reflexões sobre a obra de Arthur Bispo do Rosário, José Leonilson, Louise de Bourgeois.

Na ocasião do lançamento, todos os autores estarão presentes para um bate-papo.

A abertura do evento contará com a participação de

  • Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência;
  • Plinio Montagna, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo;
  • Cláudio Rossi, presidente da Federação Brasileira de Psicanálise;
  • Carlos Vogt, coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo;
  • Marcelo Knobel, editor da revista Ciência e Cultura;
  • Jassanan Amoroso Dias Pastore, coordenadora do Núcleo Temático Arte e Psicanálise.

A revista Ciência & Cultura é uma publicação que atua na difusão e divulgação científica, sempre voltada para os temas da atualidade e dando espaço a novas gerações de pesquisadores, para uma reflexão mais aprofundada. Ela é distribuída em bibliotecas, universidades e outras instituições ligadas à pesquisa e ensino.

Relação dos artigos que integram edição da revista Ciência & Cultura: Arte e Psicanálise

Jassanan Amoroso Dias Pastore – psicanalista
A Arte do Inconsciente

Claudio Rossi – psicanalista
Arte e Psicanálise na Construção do Humano

Leopold Nosek – psicanalista
Notas Sobre Leonilson e Arthur Bispo do Rosário

Deodato Azambuja – psicanalista/Gontran Guanaes – artista plástico
Representação, Expressão, Arte e Psicanálise

João Frayze-Pereira – psicanalista, membro da Association Internationale des Critiques d'Art (AICA)
Arte Contemporânea, Crítica de Arte e Psicanálise: Louise Bourgeois, Um Desafio Interdisciplinar

Raya Zonana/Orlando Hardt – psicanalistas
Mário de Andrade: Retratos, Reflexos, Reflexões

Camila Pedral Sampaio – psicanalista
Margens da Palavra

Homero Vettorazzo – psicanalista
A Escuta da Linguagem como “Ato Poiético”

André Medina Carone - filósofo
O Escritor Freud e a Psicanálise

Sérgio Fingermann – artista plástico
A Pintura em Tempos de Urgência: Alguns Traços da Cena Artística

Data e horário
Quinta-feira, 23 de abril, às 20h
Entrada gratuita !

Local
Centro Universitário Mariantonia
Rua Maria Antonia, 294, 1º andar, sala 100
Higienópolis - São Paulo SP

Maiores informações
Tel. (11) 3255-7182

22 de abril de 2009

Pedofilia

Reprisa este sábado, na GNT, às 10:30 e 15h o programa Marília Gabriela Entrevista que ninguém deve perder!
A apresentadora receberá o psiquiatra e psicanalista Cláudio Cohen e o promotor de justiça e mestre em Processo Penal José Reinaldo Carneiro, que falarão sobre pedofilia. No programa, Cohen, fundador do Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual (Cearas), revela que o centro propõe o tratamento de todos os membros das famílias nas quais ocorrem casos de abuso sexual. O psicanalista avalia ainda qual é o modo de tratar esse tipo de caso.

Arte e Psicanálise

Relações de arte e psicanálise são tema de curso na USP
As aulas acontecem de 8 a 29 de maio, sempre às sextas-feiras, no próprio Centro Maria Antonia (Rua Maria Antonia, 294, Centro, São Paulo).
As inscrições, que custam R$ 170,00 e podem ser feitas no local.

Mais informações:
(11) 3255-7182
www.usp.br/mariantonia

A responsabilidade da psicanálise com os “novos sintomas” (parte 1 de 2)

Artigo interessante na Latusa - Revista da Escola Brasileira de Psicanálise.
Confira!


"Como falar das questões relativas às mudanças subjetivas contemporâneas, às novas produções sintomáticas do sujeito, aos novos obstáculos para o desejo de saber, sem tocar no núcleo resistente às mudanças na cultura patriarcal? Como falar dos resíduos dessa cultura no novo papel que o homem precisará ocupar inevitavelmente? Como não tocar no tema delicado da liberação sexual e profissional da mulher e no novo papel que ela passou a ocupar na família? Como não considerar a desagregação familiar a partir, principalmente, dos novos tempos de globalização e capitalismo?

Ao não se tocar nesses temas tão radicais e essenciais, evita-se o mal-estar decorrente da discussão e exposição dessas causas tão importantes para as mudanças ocorridas na vida afetiva do sujeito na cultura. A cultura não quersaber das causas?

Neste trabalho não buscaremos soluções, mas reflexões advindas de leituras já realizadas sobre os efeitos provocados por essas mudanças, na perspectiva da produção de novos sintomas do sujeito e da cultura, assim como da impossibilidade de se obter uma resposta universalizante. “Não estamos mais na época da díade ‘problemas-soluções’. Estamos mais às voltas com um real em jogo na formação do psicanalista e na transmissão de seu discurso na civilização”.

Na medida em que o mal-estar é parte da cultura e da sociedade contemporâneas, as inquietações e os problemas psicológicos humanos adquirem um aspecto histórico e, por isso, se atualizam continuamente, manifestando-se sob a forma de novos sintomas, como é o caso da anorexia, da bulimia, da toxicomania, da depressão, do pânico, do déficit de aprendizagem, entre outros . Assim, a psicanálise se depara cada vez mais com sintomas formados para além do recalque. Consideramos aqui, principalmente, a toxicomania.

.............................................Fotografia D. Lachapelle

Os novos sintomas e o ideal de felicidade
O fenômeno da toxicomania nos dias atuais pode ser visto como “o efeito da oferta de mercado e o efeito de um avanço do saber científico-tecnológico (produção industrial da substância droga)”. Uma clínica que possa lidar com esse fenômeno em vias de sintomatizá-lo precisa considerar o que advém para além do recalque, mais a passagem ao ato do que o retorno do recalcado.

A pergunta que se impõe à psicanálise, portanto, é como lidar, no contexto atual, com os novos sintomas e como ser eficiente com efeitos terapêuticos na clínica contemporânea. A resposta pela via freudiana é que “a vida, tal como a encontramos, é árdua demais”, ela nos proporciona “sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis”, e para suportá-la “não podemos dispensar medidas paliativas” ou “construções auxiliares”.

Cada civilização oferece modelos padronizados e fixos para os sujeitos atenderem suas reivindicações pulsionais, sendo assim, a cultura define o perfil de gozos toleráveis socialmente. Hoje, a cultura declaradamente capitalista determina a submissão do sujeito ao imperativo do consumo. A globalização do consumo impôs a produção em massa de objetos, que são formas de gozo, próteses que se tornaram necessárias para o sujeito civilizado. Daí pode-se inferir que as novas formas sintomáticas da toxicomania, da anorexia, da bulimia, da adição ao computador, da depressão são, enfim, expressões atuais do mal-estar na cultura.

Nessa ótica, todos são consumidores e ao mesmo tempo objetos de consumo.O uso de medicamentos largamente difundido, principalmente de antidepressivos e estimulantes sexuais, mascara cada vez mais as questões da subjetividade. O ideal de felicidade que a droga instaura traz consigo consequências graves em curto prazo: suicídios e violência crescentes no lugar da investigação das causas. O medicamento é econômico para os planos de saúde e desculpabilizante para a família: mascara as causas, liberando o sujeito e a família da angústia e da responsabilidade, mascara os sintomas aparentes, proporcionando um eterno sorriso. O sujeito descarrega sua agressividade – antes dirigida ao eu pelo Outro tirânico ou por sua ausência – no gozo inconsciente da irresponsabilidade e na passagem direta ao ato. Assim, ele obedece ao imperativo: goza!6 Atribui a culpa que o deprime a um bode expiatório fora da constelação familiar: a biologia explica tudo. Cabe dizer que não se trata de o medicamento ser desnecessário: é evidente que ele salva a vida de sujeitos vítimas da depressão, que sem eles não resistiriam a um tratamento psicológico que não tem efeito tão rápido."
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.........................................................................Continua...