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18 de junho de 2010

"Não se nasce heterossexual"

Como se chega a ser heterossexual? A pergunta já tenta aproximar a primeira ideia que, assim proposta, também pretende matar dois pássaros com um tiro. Primeiro disparo: a sexualidade do sujeito é contingente. Da mesma forma que o vínculo existente entre o significante e o significado; da mesma forma que a relação de contingência que a pulsão mantém com o objeto. Segundo tiro: chegamos a ser heterossexual.

Ambos os disparos incluem uma obviedade dedutiva: a sexualidade do sujeito é um ponto de chegada, não de partida. "Constrói-se" independentemente do sexo anatômico, e essa produção inclui os avatares da lógica fálica, do caso por caso. A essa fábrica, Freud chamou Édipo & Complexo de Castração, e sua matéria-prima pulsional é a linguagem. Ou, lalíngua, que Lacan descreve, como neologismo, em um só termo, essa forma particular de falar e que – parasitando o sujeito – lhe é transmitida por meio da estrutura de parentesco em cada caso.

A sexualidade assume existência a partir dessa linguagem-esburacada e é um conceito cultural que já não é possível confundir com a anatomia genital dos seres falantes. E se é cultural é o mesmo que se perguntar: como é possível que uma alta dama oriental se apaixone por um cavalheiro caucasiano baixinho? Ou como se chega a ser histérico em vez de psicótico?

Mas então, como? Uma resposta pontual pode ser esta: "falando", gerúndio que serve de caminho para que o sujeito chegue. Mas essa falação – "Seminário 22", Lacan –, longe de ser interpretada como um conjunto de códigos comuns para se entender mutuamente, nada mais é do que o representante do gozo sexual. Esse nó é problemático, porque o sujeito já não sabe o que diz quando fala, já que – repetimos – não se trata de "fazer-se entender", mas sim de gozar.

Estamos dizendo, pois, que existe algo chamado falo, que une o real – anatômico, sexual – com o significante. Essa contingência determinará a escolha sexual do objeto. Isto é, ser heterossexual é um acidente no marco da castração do sujeito.

Esse acidente de castração é elaborado em três etapas. E – a julgar pela clínica – se a neurose existe é porque sempre há acidentes, e a passagem do segundo tempo do Complexo para o terceiro – no qual o sujeito reconhece que o pai não é a lei, mas sim que a transmite – é muito mais problemático do que acreditávamos.



Heath Ledger e Jake Gyllenhaal no filme Brokeback Mountain

Mas, então, não nascemos heterossexuais? Não só não nascemos, como também nem que queiramos o somos. A sexualidade, como o corpo, nós a temos, adquirimos, conquistamos. Como dirá Lacan, "é um presente da linguagem". Em todo caso, já desde Freud sabemos que o inconsciente é homossexual desde o momento em que não há mais do que a inscrição de um único significante: o falo. A partir do narcisístico, o autoerotismo tem seu autorrecolhimento sobre o homossexual. A partir de Lacan, o sujeito está ancorado no "todo fálico". Essa posição implica que o inconsciente rejeite o Outro sexo. Segundo se lê no seminário "Ainda" – e isso está na base da axiomática "a relação sexual não existe" –, o gozo enquanto sexual é fálico. Isto é, não se relaciona com o Outro enquanto tal. E também podemos responder a partir da nossa práxis: o inconsciente repete o próprio real, base de todo sintoma: o homossexual também se encontra nele.

Escutamos hoje mais do que nunca certos pacientes (amantes da precisão científica) que se encontram duvidando da potencial escolha sexual de seus filhos. Principalmente porque, em muitos casos, eles mesmos já se divorciaram para viver com uma pessoa de seu próprio sexo. Quando se trata do inconsciente, não há maneira consciente de garantir um não-acidente no trajeto. Assim como não há método para definir um objeto único para a pulsão: se houvesse, estaríamos no campo da natureza e não do ser falante.

Sob uma sociedade muito mais tolerante e melhor informada – o que não é pouco –, podemos acompanhar nesses avatares lógicos o devir de cada experiência subjetiva para – mesmo que não responder sempre – pelo menos perguntar a partir de um lugar em que unam dois pássaros com um só laço: desejo e amor. Isto é, administrar o gozo de uma maneira mais produtiva.

Artigo publicado no blog Significantes.

Um comentário:

Curiosa da Vida disse...

ótimo escrito ...
tens uma visão bastante especial
disso ... eu também penso assim ...
Gostei muito de todo o blog ...
bjos