O Texto abaixo, intitulado A invenção da mulher, do psicanalista Marcus do Rio Teixeira, foi publicado na edição especial de Mente&Cérebro As faces do feminino (acredito que ainda esteja nas bancas) e aborda o feminino a partir de Freud e Lacan.
Ilustrei o artigo com imagens do fotógrafo alemão Helmut Newton, artista que, na minha opinião, mais explorou e tentou retratar o universo feminino.
Aproveitem a leitura!
Ilustrei o artigo com imagens do fotógrafo alemão Helmut Newton, artista que, na minha opinião, mais explorou e tentou retratar o universo feminino.
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A invenção da mulher
A feminilidade tem um quê de enigmático; por não poder ser totalmente contida na significação fálica que organiza a sexualidade masculina, se constrói à custa de reivindicação e artifícios imaginários, recursos que redundam em uma lógica muito peculiar em termos de desejo e gozo
A sexualidade humana constantemente é explicada com base no mecanismo hormonal e em modelos animais. Desse ponto de vista, as coisas são essencialmente simples – homens e mulheres seguiriam condutas que visariam a reprodução da espécie, comparáveis às dos outros animais sexuados. Cotidianamente, porém, a realidade desmente tal hipótese.
Mamíferos, aves e peixes apresentam comportamento invariável durante o período do acasalamento, que consiste na emissão de determinados sinais – visuais, sonoros, olfativos – facilmente reconhecidos pelo indivíduo do sexo oposto. Na natureza, portanto, não existe possibilidade de mal-entendido; os únicos problemas que os casais enfrentam são de ordem material, como densidade demográfica da espécie em sua região. No reino animal não há sofrimento psíquico causado pelo relacionamento sexual. Não se ouve falar de peixes apaixonados, elefantes em crise de meia-idade ou leoas querendo discutir a relação.
Em contrapartida, na espécie humana, não há uma conduta unívoca para a aproximação sexual; além disso, os sinais emitidos por cada um são ambíguos tanto para seu parceiro como para si. A própria linguagem, que supostamente serve para a comunicação, é a principal fonte desse mal-entendido. Quem nunca teve a sensação de que o(a) parceiro(a) não compreende nada do que lhe é dito? Permeada de linguagem, nossa sexualidade perde as certezas e o objetivo natural da reprodução da espécie. Longe do Éden sexual imaginado nostalgicamente por nossos cientistas, ela é marcada pelas incertezas e pelos conflitos inerentes ao humano. “De todos os animais o falasser [o ser falante] é o único que possui uma sexualidade infeliz. Não somente complicada, mas infeliz”, comenta o psicanalista francês Charles Melman.
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...........................................Fotografia de Helmut Newton
Édipo feminino
Uma vez que a linguagem nos afasta de uma sexualidade natural, determinada pela biologia, o que definiria então a feminilidade? Sabemos que o fato de uma pessoa nascer com um par de cromossomos XX significa que se trata de uma fêmea da espécie humana, mas não garante que venha a ser uma mulher. Se o real do organismo não fornece essa garantia, o que constituiria a especificidade da posição feminina? Poderíamos pensar que tal posição nada mais seria do que a assunção, pelo sujeito, das representações do feminino que a cultura lhe transmite. Sabemos, porém, que tais representações variam histórica e geograficamente. Seria então a feminilidade uma colagem imaginária de modelos impostos, sujeita a oscilações de tempo e lugar? Qual o papel da linguagem na constituição da posição sexual?
Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra.
De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a assunção, pelo menino e pela menina, de uma posição masculina ou feminina ocorre ao final de uma série de investimentos libidinais e identificações com o casal parental (ou com os adultos que cumprem esse papel), que ele denominou Édipo, tendo como modelo o mito grego. Freud destaca a importância no Édipo de um elemento simbólico que ele chamou, novamente segundo uma referência clássica, de falo. Desde o início ele esclarece que, embora o órgão masculino seja uma das formas assumidas pelo falo, este não se reduz ao pênis. Em uma equação simbólica, outros objetos da realidade podem ter valor fálico, como o bebê para a mãe, as fezes como objeto de dom ou ainda o dinheiro. O inconsciente não reconhece a díade homem/mulher, mas apenas fálico/castrado.
A saída do Édipo masculino em sua forma mais simples se dá, grosso modo, pela renúncia do menino à mãe como primeiro objeto do desejo devido ao temor da castração. Ao identificar-se com o pai, que ocupa a função de agente interditor entre a mãe e ele, o menino adquire a possibilidade de exercer sua virilidade com outras mulheres, respeitando o tabu do incesto. Mas é o Édipo feminino que constitui motivo de embaraço para Freud; ele logo percebe que o percurso da menina em direção à sexualidade adulta não é simétrico como o do garoto. A mudança do objeto de desejo (a mãe é também o primeiro objeto de desejo para a garota) para o pai e a própria saída da situação edípica são questões problemáticas.
...........................................Fotografia de Helmut Newton
Ao final, Freud destaca o ressentimento da menina em relação à mãe por não encontrar do lado dela um elemento simbólico que possa lhe garantir o acesso à feminilidade. A relação entre mãe e filha, portanto, seria sempre um tanto tensa e marcada pela reivindicação, traços que, segundo ele, se repetiriam com o primeiro homem com o qual a mulher mantivesse um laço conjugal.
Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra.
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A sexualidade humana constantemente é explicada com base no mecanismo hormonal e em modelos animais. Desse ponto de vista, as coisas são essencialmente simples – homens e mulheres seguiriam condutas que visariam a reprodução da espécie, comparáveis às dos outros animais sexuados. Cotidianamente, porém, a realidade desmente tal hipótese.
Mamíferos, aves e peixes apresentam comportamento invariável durante o período do acasalamento, que consiste na emissão de determinados sinais – visuais, sonoros, olfativos – facilmente reconhecidos pelo indivíduo do sexo oposto. Na natureza, portanto, não existe possibilidade de mal-entendido; os únicos problemas que os casais enfrentam são de ordem material, como densidade demográfica da espécie em sua região. No reino animal não há sofrimento psíquico causado pelo relacionamento sexual. Não se ouve falar de peixes apaixonados, elefantes em crise de meia-idade ou leoas querendo discutir a relação.
Em contrapartida, na espécie humana, não há uma conduta unívoca para a aproximação sexual; além disso, os sinais emitidos por cada um são ambíguos tanto para seu parceiro como para si. A própria linguagem, que supostamente serve para a comunicação, é a principal fonte desse mal-entendido. Quem nunca teve a sensação de que o(a) parceiro(a) não compreende nada do que lhe é dito? Permeada de linguagem, nossa sexualidade perde as certezas e o objetivo natural da reprodução da espécie. Longe do Éden sexual imaginado nostalgicamente por nossos cientistas, ela é marcada pelas incertezas e pelos conflitos inerentes ao humano. “De todos os animais o falasser [o ser falante] é o único que possui uma sexualidade infeliz. Não somente complicada, mas infeliz”, comenta o psicanalista francês Charles Melman.
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...........................................Fotografia de Helmut Newton
Édipo feminino
Uma vez que a linguagem nos afasta de uma sexualidade natural, determinada pela biologia, o que definiria então a feminilidade? Sabemos que o fato de uma pessoa nascer com um par de cromossomos XX significa que se trata de uma fêmea da espécie humana, mas não garante que venha a ser uma mulher. Se o real do organismo não fornece essa garantia, o que constituiria a especificidade da posição feminina? Poderíamos pensar que tal posição nada mais seria do que a assunção, pelo sujeito, das representações do feminino que a cultura lhe transmite. Sabemos, porém, que tais representações variam histórica e geograficamente. Seria então a feminilidade uma colagem imaginária de modelos impostos, sujeita a oscilações de tempo e lugar? Qual o papel da linguagem na constituição da posição sexual?
Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra.
De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a assunção, pelo menino e pela menina, de uma posição masculina ou feminina ocorre ao final de uma série de investimentos libidinais e identificações com o casal parental (ou com os adultos que cumprem esse papel), que ele denominou Édipo, tendo como modelo o mito grego. Freud destaca a importância no Édipo de um elemento simbólico que ele chamou, novamente segundo uma referência clássica, de falo. Desde o início ele esclarece que, embora o órgão masculino seja uma das formas assumidas pelo falo, este não se reduz ao pênis. Em uma equação simbólica, outros objetos da realidade podem ter valor fálico, como o bebê para a mãe, as fezes como objeto de dom ou ainda o dinheiro. O inconsciente não reconhece a díade homem/mulher, mas apenas fálico/castrado.
A saída do Édipo masculino em sua forma mais simples se dá, grosso modo, pela renúncia do menino à mãe como primeiro objeto do desejo devido ao temor da castração. Ao identificar-se com o pai, que ocupa a função de agente interditor entre a mãe e ele, o menino adquire a possibilidade de exercer sua virilidade com outras mulheres, respeitando o tabu do incesto. Mas é o Édipo feminino que constitui motivo de embaraço para Freud; ele logo percebe que o percurso da menina em direção à sexualidade adulta não é simétrico como o do garoto. A mudança do objeto de desejo (a mãe é também o primeiro objeto de desejo para a garota) para o pai e a própria saída da situação edípica são questões problemáticas.
...........................................Fotografia de Helmut Newton
Ao final, Freud destaca o ressentimento da menina em relação à mãe por não encontrar do lado dela um elemento simbólico que possa lhe garantir o acesso à feminilidade. A relação entre mãe e filha, portanto, seria sempre um tanto tensa e marcada pela reivindicação, traços que, segundo ele, se repetiriam com o primeiro homem com o qual a mulher mantivesse um laço conjugal.
Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra.
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Um comentário:
Quando LACAN disse: “A mulher não existe”. estava referindo-se a mulher idealizada pelo pensamento masculino!
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