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3 de junho de 2008

Livros... Joel Birman.

Sou fã dos livros do psicanalista Joel Birman, em especial o Mal-estar na Atualidade, que é a minha indicação de hoje.

Para dar água na boca, segue abaixo uma entrevista concedida à DW-WORLD, em 2006, onde o psicanalista brasileiro fala do lugar da psicanálise por ocasião dos 150 anos de Freud, observa a questão do Outro no discurso freudiano e aponta as razões da persistência do mal-estar na atualidade.
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Durante as comemorações dos 150 anos de nascimento de Freud, muito se discute sobre o lugar da psicanálise na atualidade. A teoria psicanalítica só sobrevive graças ao diálogo com outros saberes, como a filosofia, a antropologia e o cinema, só para citar alguns?

Pode-se dizer que a teoria psicanalítica sobrevive tanto no seu campo estrito, isto é, a clínica, a psicoterapia, as relações com a psiquiatria e a psicologia, quanto nas relações com os outros saberes. A psicanálise é convocada hoje para pensar as questões ligadas à política e à sociedade, no qual as suas atribuições são bem acolhidas.

Em Mal-estar na atualidade, o senhor anunciava ser "inevitável que se abra essa caixa de Pandora dos infortúnios da psicanálise" e defendia que alguns de seus fundamentos deveriam ser repensados. Houve algum progresso neste sentido?

Com certeza, houve progressos em relação a isso. O avanço da psicanálise nas suas relações com os campos social, cultural e político evidencia isso fartamente. Por outro lado, as instituições e diferentes tradições teóricas da psicanálise estabelecem um diálogo mais vivo entre si, que não existia anteriormente.

O senhor afirma que "a psicanálise encontra-se mais próxima de um paradigma estético do que de um paradigma científico ou cognitivo". Pode-se dizer que Freud é hoje lembrado apenas por sua contribuição à formação deste paradigma estético?

Apesar de que a psicanálise tenha constituído um paradigma estético, com implicações éticas imediatas, isso não quer dizer que a psicanálise não tenha contribuído para o desenvolvimento de paradigmas científicos. A constituição recente da neuropsicanálise, por mais polêmico que possa ser, evidencia a colaboração da psicanálise para constituição de um paradigma científico. Poderíamos citar outros exemplos, mas esse é o mais recente.

Apesar de muitos debates que tendem a eliminar a pertinência das teorias de Freud, O Mal-Estar na Civilização continua mantendo seu lugar nos cânones acadêmicos. De que forma este mal-estar persiste?
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O mal-estar não apenas persiste, mas as suas condições hoje são mais catastróficas. Sem dúvida, as condições do mundo pós-moderno e os imperativos da globalização retiraram instrumentos e instâncias sociais de proteção dos indivíduos, que aumentaram em muito o dito mal-estar. A quebra do estado de bem-estar social, a fragilidade dos movimentos sindicais e a rarefação da atividade política retiraram dos indivíduos canais fundamentais que pudessem protegê-los da voragem do capital financeiro globalizado.

Pode-se dizer que o senhor, como descendente de judeus romenos, manteve, assim como Freud, uma ligação com a tradição universalista judaica e ao mesmo tempo uma aversão às "ilusões da religião"?


Com certeza. Como descendente de judeus, me inscrevi na tradição psicanalítica pela sua vertente universalista, de forma que o discurso religioso não me fala absolutamente. Por isso mesmo acho curioso o retorno pós-moderno dos fundamentalismos, apesar de compreendê-los do ponto de vista sociológico e político, ligado às condições da globalização.

O senhor faz parte de um grupo psicanalítico francês que estuda os efeitos do Holocausto para a subjetividade contemporânea. Poderia falar um pouco sobre este trabalho?

Esse grupo, intitulado La psychanalyse aujourd´hui (A psicanálise hoje), pressupõe que o acontecimento histórico do Holocausto transformou radicalmente a relação do Ocidente com os valores éticos e estéticos. Nada seria mais igual como antes, algo assim como a famosa frase de Adorno, de que não seria mais possível escrever poesia após Auschwitz. De forma que este grupo estuda as transformações psíquicas na modernidade avançada, em decorrência do impacto do extermínio nazista.
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Embora Freud tenha ignorado as mazelas do colonialismo no início do século 20, ele se voltou como poucos para a descoberta "do Outro em nós mesmos". Poderia falar um pouco sobre o paradoxo deste Freud "eurocêntrico", que abriu, porém, as primeiras portas para a discussão sobre a alteridade?

A questão do Outro se encontra presente desde os primórdios do discurso freudiano. Na contramão da tradição do individualismo moderno, Freud sempre propôs que o Outro é uma dimensão fundamental para a constituição e a reprodução do sujeito, sem o qual este não poderia existir. Os ensaios freudianos sobre a cultura e a sociedade, que culminaram num ensaio sobre o Mal-estar na civilização, atestam isso fartamente.
A hipótese freudiana de que Moisés era egípcio, e não judeu, indica como ele introduziu uma dimensão de alteridade na sua própria tradição. De forma que seria preciso analisar o discurso político de Freud com mais nuance, inclusive no que concerne à tradição sionista, para não fazermos afirmações apressadas.

Ao pensar sobre a explosão da violência na cultura da atualidade, o senhor observa que ela se dá em conseqüência de "um não exacerbado à diferença". Hoje, na Europa, propaga-se a necessidade de "tolerância" em relação ao que se mostra "diferente" dos padrões europeus. Concorda que "tolerar" o Outro pressupõe uma aversão, uma vez que só tolero aquilo que, a priori, abomino ou rejeito?

Sem dúvida, a tradição européia tem uma dívida ainda não saldada com a tradição colonialista. Tanto em relação aos africanos quanto aos árabes, existe uma dificuldade de aceitação plena da diferença, de forma que a política de tolerância é um caminho inicial para superar tais obstáculos. Pelo menos é a perspectiva adotada pelos partidos mais esclarecidos para se opor à direita raivosa, que se opõe a toda e qualquer forma de imigração, sustentando um nacionalismo tacanho.

Existe hoje uma teoria psicanalítica especificamente brasileira?

Seria difícil afirmar que existe uma teoria psicanalítica brasileira. Como em outros países latino-americanos, sobretudo a Argentina, desenvolvemos uma sensibilidade para a investigação de certos temas, voltados para o social e o político, em decorrência de nossas condições sócio-históricas. Suponho que por esse viés começamos a construir a nossa especificidade, que é reconhecida pelos europeus.

O escritor israelense Abraham Yehoshua afirma que a culpa – para Freud um dos principais combustíveis da civilização – foi transferida do individual para o coletivo ( a "culpa" da esquerda, dos intelectuais, dos tribunais, das universidades, dos militares, da cidade, dos políticos, etc). É possível falar em um fenômeno de coletivização da culpa, quando se pensa sobre a sociedade brasileira?

Suponho que não existe ainda no Brasil uma coletivização da culpa, que prefiro denominar de responsabilidade. Para que esta coletivização aconteça, necessário seria que as classes dominantes e as elites brasileiras aceitassem pelo menos perder os anéis senão os dedos. Acredito que estamos ainda muito distantes disso.

Joel Birman é graduado em Medicina, com especialização em Psiquiatria. Mestre em Filosofia pela PUC-RJ e doutor em Filosofia pela USP, com pós-doutorado pela Université Paris VII. É professor titular do Instituto de Psicologia da UFRJ e professor adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ.
Autor, entre outros, de Psicanálise, Ciência e Cultura (Jorge Zahar, 1994), Por uma estilística da existência (Editora 34, 1996), Estilo e modernidade em psicanálise (Editora 34, 1997), O mal-estar na atualidade (Civilização Brasileira, 2001), Freud e a Filosofia (Jorge Zahar, 2003).
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Um comentário:

Guilherme Mative disse...

Muito muito bom o post.... ótimo blog.

Abraços...

Guilherme Mative