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3 de fevereiro de 2009

Artigo: A INFLUENCIA DE JACQUES LACAN (Parte 3 de 3)

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A TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE
Ao mesmo tempo em que afirmou a impossibilidade da transmissão da psicanálise, Lacan sempre trabalhou no sentido de possibilitá-la e insistiu no fato de que seu ensino visava produzir "efeitos de formação". Para ele, é impossível transmitir a psicanálise sem uma estreita imbricação entre teoria e prática, isto é, sem que o sujeito seja atravessado pela experiência. Não é essa uma das características de seu famoso estilo de escrita, o de requerer a inclusão do sujeito no processo de elaboração teórica? Assim, se a ética da psicanálise deve ser compreendida em seu caráter inédito de "ética do bem-dizer", em relação ao psicanalista ela deve certamente implicar a necessidade de inclusão dos significantes da teoria em seu bem-dizer, de modo que esses significantes se renovem e adquiram vida, para que os conceitos não sejam tomados como meros signos.
Fica evidente que Lacan não se satisfazia com o fato de que uma prática não precisa ser elucidada para produzir efeitos, como ele mesmo observa em Televisão (Jorge Zahar, 1997). Por um lado, a psicanálise é intransmissível, enquanto escopo de um saber totalizador, na medida em que ela mesma é não-toda (termo lacaniano para designar a falta inerente à estrutura humana) e a questão sobre "o que é o inconsciente?" insiste em se presentificar. Por outro lado, é esse não-todo, verdadeira matriz da estrutura do inconsciente, escrito por Lacan no matema S(A), que importa transmitir e este só pode ser transmitido em uma psicanálise. Nesse sentido, pode-se afirmar que é necessário que a transmissão d’a psicanálise seja perpassada pela experiência de uma psicanálise. Dito de outro modo, a ciência da análise requer a poesia inerente a cada análise de um sujeito.
Se abordarmos essas inovações de Lacan sob o prisma dos quatro discursos não é difícil evidenciar que se trata de conceber a experiência não mais sob o prisma do discurso universitário, para o qual o saber regula toda a produção do sujeito bem pensante, mas sim abordá-la a partir de sua própria especificidade, isto é, a do discurso psicanalítico, que inclui o real, o não-saber no cerne da experiência. Como nos lembra o poeta Manoel de Barros em seu Livro sobre nada (Record, 1998), "perder o nada é um empobrecimento".
O que acredito ser o ponto mais essencial no âmbito da formação psicanalítica, em que Lacan renovou em alto grau a relação mantida pelos analistas com sua própria experiência, é o fato de que é necessário preservar nos critérios institucionais o mesmo gradiente de enigma inerente à experiência da análise. Se a aparência é de que a formação do analista foi facilitada a partir do aforismo lacaniano de que "o psicanalista só se autoriza por si mesmo", ao contrário observa-se que a dificuldade inerente à formação, aquilo que Lacan chamou de "real em jogo na formação do psicanalista", foi por ele preservada sem os engodos das modalidades próprias ao discurso universitário. Lacan foi o primeiro psicanalista a se indagar seriamente sobre o fim da análise de um analista, desvinculando-a de prazos fictícios; a preconizar a importância da supervisão clínica não ser obrigatória, mas sim corresponder às necessidades do analista em formação; a propor aos analistas falarem de suas análises e transmiti-las a seus pares.
Assim como Lacan observou que a única certeza do sujeito advém do seu próprio desejo, seria preciso lembrar que, quanto ao psicanalista, sua única certeza deve advir do desejo do psicanalista, isto é, de um desejo que se traduz pelo desejo de que haja análise, o qual, em suma, remete ao desejo de que haja analista. De qualquer modo, é necessário insistir, como já observou Alain Didier-Weill, no fato de que o legado que Lacan nos deixou, com seu trabalho de retorno a Freud, não está concluído e exige de cada analista a sua parcela de contribuição e uma grande insistência na renovação da experiência. Pois o impossível em jogo no real está sempre a pedir simbolização.

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Este artigo retoma um trabalho apresentado no Colóquio "Lacan, psychanalyste", organizado pelo Mouvement du Coût Freudien e realizado no Amphithêatre Charcot, Hôpital de la Salpétrière, Paris, em 27 e 28 de março de 1999.

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Marco Antonio Coutinho Jorge é psiquiatra, psicanalista, Membro do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro, Membro Correspondente do Mouvement du Coût Freudien (Paris), autor de Sexo e discurso em Freud e Lacan (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988) e Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacanvol.1: as bases conceituais (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000, 2a. edição), professor do Mestrado em Clínica e Pesquisa em Psicanálise do IP/UERJ.

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Veja a primeira e segunda parte do artigo.

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2 de fevereiro de 2009

O que querem as mulheres?



Li essa matéria no G1 ontem, sobre uma pesquisa que investiga o que excita homens e mulheres e parece que a questão feminina continua sendo um enigma.


Leia o artigo:

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"O que desperta o desejo sexual feminino?


Novos estudos sobre revelam um abismo entre o que as mulheres sentem e o que dizem sentir


Ida Bauer aparece nos textos de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, sob o nome fictício de Dora. É uma moça bonita, de 15 anos, perturbada por tosses nervosas e incapacidade ocasional de falar. Chegou ao divã do médico vienense queixando-se de duas coisas: assédio sexual de um amigo da família e indisposição do pai em protegê-la. Freud aceitou os fatos, mas desenvolveu uma interpretação própria sobre eles. O nervosismo e as doenças se explicavam porque a moça se sentia sexualmente atraída pelo molestador, mas reprimia a sensação prazerosa e a transformava, histericamente, em incômodo físico. Como Ida se recusou a aceitar essa versão sobre seus sentimentos, largou o tratamento. Peter Kramer, biógrafo de Freud, diz que os sintomas só diminuíram quando ela enfrentou o pai e o molestador, tempos depois. Freud estava errado; ela, certa. Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência, Freud escreveu uma passagem famosa: “A grande questão que nunca foi respondida, e que eu ainda não fui capaz de responder, apesar de 30 anos de pesquisa sobre a alma feminina, é: o que querem as mulheres?”.
Meredith Chivers, uma jovem pesquisadora da Universidade Queen, no Canadá, acredita que pode finalmente responder à pergunta. Sem os preconceitos e a ortodoxia de Freud, e com recursos experimentais que ele não tinha, reuniu 47 mulheres e 44 homens em laboratório e aplicou o mesmo teste a todos eles: viram oito filmes curtos sobre sexo, com temas variados, enquanto seus órgãos genitais eram monitorados por sensores capazes de medir a ereção masculina e a lubrificação feminina. Ao mesmo tempo, Meredith pediu que indicassem, num sensor eletrônico, quanto estavam excitados com cada cena projetada. Essa era a parte subjetiva do teste.
Os resultados foram sensacionais. Meredith descobriu, primeiro, que as mulheres, sejam elas hétero ou homossexuais, se estimulam com uma gama muito variada de cenas. Homem e mulher transando, mulheres transando, homens transando, quase tudo foi capaz de produzir excitação física nas mulheres. Até cenas de coito entre bonobos (os parentes menores e mais dóceis dos chimpanzés) causaram alterações genitais nas voluntárias, embora tenham deixado os homens indiferentes. Qualquer que seja a sua orientação sexual, eles parecem ser mais focados em suas preferências. Homossexuais se excitam predominantemente com cenas de sexo entre homens ou com cenas de masturbação masculina. Heterossexuais se interessam por sexo entre mulheres, sexo entre homens e mulheres e atividades que envolvam o corpo feminino, mesmo as não-sexuais. O estudo sugere que as mulheres são mais flexíveis em sua capacidade de se interessar. Seu universo sexual é mais rico.

A outra surpresa da pesquisa de Meredith, talvez sua descoberta mais importante, foi a constatação de que existe uma distância entre o que as mulheres manifestam fisicamente e o que elas declaram sentir. As cenas de sexo entre mulheres, por exemplo, foram as que causaram maior excitação física entre as mulheres heterossexuais – mas aparecem em segundo na lista de respostas sobre as imagens mais excitantes. Ocorre o mesmo com sexo entre dois homens. Os sensores vaginais mostram ser esse o terceiro tipo de cena que mais excita as mulheres, mas ele aparece na quinta posição nas declarações. O fenômeno de divergência entre corpo e mente não poupa os macacos. Meredith diz que o relato subjetivo das mulheres sobre os bonobos não é coerente com a excitação física que elas demonstram. “O que eu descobri foi que as mulheres ficaram fisicamente excitadas (com os macacos), mas não declararam se sentir dessa forma”, ela disse em entrevista a ÉPOCA. Os homens demonstram um grau de coerência mais elevado entre as medidas objetivas e subjetivas. Eles declaram gostar daquilo que fisicamente os comove, embora também se confundam com escolhas, por assim dizer, difíceis. No instrumento em que registram suas preferências, os homens heterossexuais marcaram as cenas de masturbação femininas como as mais excitantes, vencendo por pouco o sexo entre duas mulheres. Mas os sensores genitais mostraram coisa diferente: a vitória pertence claramente às cenas de sexo entre mulheres. A conclusão é que também entre os homens há uma diferença entre excitação mental e excitação física, mas ela parece ser muito menor do que entre as mulheres.

Se for excluída a hipótese de que as mulheres mentem a respeito de seus sentimentos (por que fariam isso em laboratório, protegidas pelo anonimato?), estamos de volta à perplexidade registrada por Freud no texto de 1900, com um sério agravante: não é apenas que um homem não entende as mulheres, mas elas mesmas que não sabem o que sentem.

(...)

A revista dominical do jornal The New York Times publicou dias atrás uma longa reportagem em que a sexóloga Meredith, de 36 anos, discutia a sua pesquisa, publicada em 2007. O texto apresentava várias teorias e pesquisas empíricas que tentam explicar o universo sexual feminino. Curiosamente, quando combinados, os dados obtidos em laboratório parecem confirmar aquilo que Fernanda Young afirma sem amparo estatístico: por razões ainda misteriosas (históricas e culturais, provavelmente; físicas, quem sabe) as mulheres escondem (até de si mesmas) as suas preferências sexuais e operam com um nível elevado (e contraditório) de fantasias, nem todas politicamente corretas. “A sexualidade é um quarto escuro”, diz a escritora.
Desde os relatórios pioneiros de Alfred Kinsey, escritos nos anos 1940 e 1950 do século XX, o meio médico acreditava que mulheres e homens eram sexualmente assemelhados. Foi apenas em 2005 que a pesquisadora canadense Rosemary Basson sugeriu que o desejo das mulheres não segue a cronologia masculina, na qual desejo, excitação e orgasmo se sucedem, nesta ordem. De lá para cá, a ênfase dos estudos sobre sexualidade tem estado nas diferenças entre homens e mulheres. Um dos resultados práticos dessa tendência é a percepção crescente de que o sexo nas mulheres é muito mais subjetivo do que se imaginava. Nelas, os mecanismos de excitação psicológicos parecem estar em ampla medida descolados do que ocorre no corpo. Ao contrário dos homens, para quem ereção é sinônimo de disposição, a lubrificação feminina não significa prontidão para o sexo. (...)"


Clique aqui e veja toda a matéria.

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29 de janeiro de 2009

Repassando...

Recebi este email de uma amiga que trabalha no INCA e, como doadora, achei super importante divulgar...

"O INCA-Instituto Nacional do Câncer (fica na Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio) está tendo problemas com seu banco de sangue. Eles não têm sangue, nem doadores. Já saíram notas nos jornais e pouco adiantou. O Instituto Nacional do Câncer - INCA - está precisando urgentemente de doadores de sangue. O banco de sangue está quase vazio e o Hospital enfrenta dificuldades, até para marcar cirurgias, muitas vezes, precisando recorrer a outros bancos de sangue da cidade, que também passam pela mesma dificuldade: falta de doadores.
A transfusão de sangue para pessoas com câncer é muito importante. Sem ela, muitos pacientes não conseguiriam sobreviver aos tratamentos que envolvem drogas pesadas. Para doar, basta chegar na portaria do Hospital com suacarteira de identidade ou qualquer documento similar, apresentando- se como doador.
NÃO vá em jejum, alimente-se de coisas leves e não gordurosas, evite o álcool por pelo menos 12 horas.
Você deve estar em boas condições de saúde, ter entre 18 e 60 anos e pesar 50kg ou mais.
A mulher pode doar a cada 3 meses e o homem a cada 2 meses.
Esta mensagem pode alcançar muitos doadores, se você enviar agora para outros endereços.
Por favor, colabore. Faça a sua parte!
Muitas vidas agradecem."
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Artigo: A INFLUENCIA DE JACQUES LACAN (parte 2 de 3)


A RENOVAÇÃO DA CLÍNICA
A transmissão de Lacan esteve muito ligada de início à renovação da concepção do dispositivo analítico, situado por ele de modo tão inovador que acabou atraindo os analistas para um novo tipo de experiência, inclusive aqueles já formados há longa data.
Contudo, um dos efeitos desse período inaugural foi o uso mimético, irrefletido, das sessões curtas, fato que sabemos não ter sido apanágio exclusivo dos psicanalistas brasileiros, como pude desenvolver em meu artigo "Usos e abusos do tempo lógico" (revista Ágora, v.III, n.1). Isso foi alvo de grande polêmica e produziu intensas resistências ao discurso lacaniano, das quais evidentemente os analistas não-lacanianos se aproveitaram, por sua vez, para atacar Lacan como um todo: seus representantes se pronunciaram na época na imprensa dizendo que os lacanianos estavam destruindo a psicanálise. Outro efeito colateral ligado ao uso do tempo lógico "cronometrado" em cinco minutos foi a redução da interpretação a um superficial jogo de palavras, numa perda evidente da dimensão da experiência analítica.




Por outro lado, a ênfase na leitura de Freud, preconizada por Lacan em cada um de seus escritos e seminários, e o questionamento dos desvios ideológicos e anti-psicanalíticos dos analistas pós-freudianos, produziram na comunidade psicanalítica não só um intenso empuxo no sentido da reflexão teórica depurada, como, a partir daí, a necessidade de elaboração da diferença entre rigor e rigidez na maneira de conduzir a análise. Tudo aquilo até então sustentado de modo dogmático passou a ser radicalmente interrogado: o lugar do psicanalista, sua intervenção, os objetivos da análise. No cerne desses múltiplos questionamentos, estava a reflexão lacaniana sobre a ética da psicanálise: Lacan foi o primeiro psicanalista a nomear uma ética particular à psicanálise, centrando-a em torno do desejo do sujeito.
Aos poucos, caíram as concepções mais tradicionais, tanto a respeito da prática clínica como também da formação psicanalítica. Ocorreu, em especial, a queda da distinção entre análise didática (de formação) e análise terapêutica: para Lacan, toda análise pode vir a ser didática, uma vez que seu aspecto didático só pode ser revelado depois de concluída a experiência, jamais a priori. A freqüência e a duração das sessões, padronizadas até então de forma burocrática, passaram a ser flexíveis. Com Lacan, a prática da psicanálise foi, enfim, analisada.
É verdade que esse questionamento deu margem, por sua vez, a excessos na adoção das novas fórmulas, dependentes, por um lado, de um modismo que acomete todas as práticas humanas e, por outro, da insipiência da experiência. Assim, o uso sistemático de sessões de curta duração parece-nos ser tão pouco congruente com a verdade que é exigida pela experiência do psicanalista, quanto o uso da sessão cronometrada em cinqüenta minutos. Tanto um quanto outro mimetizam as práticas de dois analistas muito singulares, Lacan e Freud, caracterizando-se por não levar em conta a necessidade do psicanalista encontrar seu próprio estilo na condução do tratamento. Num de seus artigos sobre técnica, Freud observou que jamais preconizara formas protocolares de analisar, e apenas expusera soluções que se revelaram condizentes com sua preferência pessoal.
Hoje, o momento é de uma assimilação mais subjetivada das contribuições fundamentais de Lacan. Se a difusão do pensamento lacaniano é onipresente na psicanálise brasileira, isto se dá pela própria força de seu ensino e pela verdade carreada por ele: o de uma verdadeira renovação da clínica psicanalítica. Se o ensino de Lacan obteve tamanha repercussão, isso se deu sobretudo em função dele constituir uma verdadeira re-fundação da psicanálise, que associou seu nome de modo indelével ao de seu criador.
Enquanto no Brasil, de modo semelhante ao ocorrido nos EUA, a IPA abria as portas para a ideologização da prática e, surpreendentemente, considerava a leitura de Freud como algo secundário para a formação dos psicanalistas, Lacan chamava atenção para a radicalidade muitas vezes desconhecida e para a fecundidade igualmente inexplorada do texto freudiano.
A psicanálise é a prática da psicanálise, cuja função original inédita é a de manter uma relação com o saber enquanto verdade. Trata-se de uma prática que, ao contrário do discurso do mestre, não admite dominações, pois desse modo retornaria à etapa pré-psicanalítica, na qual os psiquiatras se empenhavam na hipnose e na sugestão. Sabe-se que nos EUA a prática da psicanálise sofreu um grande declínio que se sucedeu, paradoxalmente, a uma enorme difusão. Como ponderou Gérard Pommier em A neurose infantil da psicanálise (Jorge Zahar, 1995), a manutenção da vida da psicanálise depende de que ela possa manter-se fiel à ética que lhe é própria, sem o que ela se homogeneiza com outras práticas psicoterápicas e perde sua razão de ser.
Não cabe aqui enumerar as férteis distinções estabelecidas por Lacan no campo teórico. Ressalto apenas que sua elaboração sobre o inconsciente estruturado como uma linguagem levou-o a conceber, na clínica, o lugar do analista como lugar de uma douta ignorância e a interpretação exclusivamente em sua relação com o dizer do analisando, preservando o valor primordial da escuta da fala do sujeito.

.....................................................Continua...



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